3.12.07

O mês da azia


O mês da azia

Por Paulo Heuser


Ah, dezembro, dezembro... Mês de alegria, do Papai Noel, do bate o sino pequenino até não agüentar mais, dos shoppings lotados e das festas de fim de ano. Mês dos amigos secretos, ou ocultos, conforme regionalismos. Ultimamente estamos mais para os inimigos ocultos, revelados diariamente pelos jornais. Mas, tudo bem. Vamos preservar o espírito da festa.

Das mais singelas festinhas de fim de expediente, no escritório, até os autênticos bailes nos salões de sociedade, aqueles que têm algo em comum, reúnem-se para a confraternização. Há a turma do escritório, a do vôlei, a da confraria dos circuncisados carecas, etc. Os líderes de qualquer ajuntamento humano devem promover festas de fim de ano, o que acaba causando inevitáveis conflitos nas agendas. Sempre ocorrem sobreposições, como aquela das festas da pet shop da tartaruga com a do desentupidor de fossa séptica. Fossa séptica é mais elegante que apenas fossa. Afinal, é séptica. Alguns têm a habilidade natural para conseguirem passar em todas as festas. Come um doguinho com pasteizinhos aqui, uma pizza ali e um churrasco acolá. Do café da manhã à ceia, estão ocupados durante todo o mês. Já há grupos agendando confraternizações nos domingos à noite, por falta de outra opção.

No estado em que o churrasco é o prato símbolo da culinária local, é normal que seja também o cardápio preferido das festividades de fim de ano. Tipicamente, o pessoal se reúne para um café da manhã com algo frito, numa manhã de sexta-feira de dezembro, promoção da associação dos contínuos do prédio. Ao meio-dia, tem o encontro na churrascaria próxima, que já está lotada com grupos de outras empresas. Carne gorda e uma cervejinha. Após a sobremesa, correm de volta ao escritório, pois a confraria das secretárias lituanas organizou uma troca de presentes de amigo secreto, regada a coca-cola e risoles de frango. À noite, vem o ponto alto do dia, por mais estranho que isso possa soar. Grande churrascada na casa do colega que gosta de assar touro no rolete. Começa a assar três dias antes do evento, terminando três dias depois do evento. Porém, não faltam pão e saladas, levados pelos convivas. Ops, me esqueci do happy hour do fornecedor de risoles para a festa das secretárias lituanas.

O sábado de dezembro inicia com um brunch – aquela coisa indefinida, entre café da manhã e almoço – às nove horas, na sede campestre da Sociedade Cultural, Desportiva e Beneficente da Liga das Senhoras Balonistas, promovido pela Confraria do Chucrute - Venha flutuar conosco! - dizem elas. Após todos aqueles pratos de variações de chucrute, hora do almoço promovido pelo pessoal do escritório da mulher, na casa do chefe. O patrão dela faz questão de assar a carne. Faz questão apenas do serviço, já que a despesa é rachada entre os funcionários e seus familiares. Como o patrão é exímio assador, e muito amigo de um importante açougueiro que só vende carne para gente importante, é ele quem escolhe a carne. Escolhe picanhas de terneiros precoces que se alimentaram apenas de mamão tailandês e patê de fígado de ganso da Normandia. Coisa finíssima. O chefe mantém em segredo a receita do tempero da carne. Ele mergulha a pobre picanha em uma mistura de molho de soja, óleo de gergelim, gengibre, vinagre balsâmico, açúcar, cravo e canela. - Nada de sal, pois ele desidrata o bicho - diz ele. A vantagem de ser chefe é essa. Ninguém reclama, nem faz careta. Engolem aquela coisa em meio aos mais sinceros elogios de crocodilo, enquanto bebem do pavoroso vinho que o chefe comprou de um sujeito que fabrica vinho bento. Não, não é em Bento. É bento, mesmo. Como o chefe gosta de elogios e de companhia, alonga o almoço até as 16 horas, quando todos correm para a casa de chá onde o pessoal da canastra das quintas-feiras realiza outro amigo secreto. Como ninguém é de ferro, e chá enferruja, rola solta a cerveja. Para beliscar, torta de morangos, merengue e nata light, feita de soja (ugh!).

Blurp! Tempo de passar na ducha para não perder a hora do grande evento, até então, a festa da empresa. Outro grande churrasco, preparado por uma equipe que iniciou os trabalhos ao meio-dia. Isto é, a hora em que abriram a primeira cerveja. Lá pelas 10 da noite começam a servir as duas opções de carne: costela crua ou maminha torrada. Vivas para a salada e o pão!

O pior do sábado, é que ele é seguido pelo domingo. E no domingo vale tudo, já que todos descansaram bastante no sábado. Portanto, o café da manhã no Sítio da Vovó Perneta começa bem cedo, com cucas recém assadas, omelete com bacon e sonhos delirantes de nata com coalho. A criançada, mais inteligente, dorme à sombra, enquanto papais e mamães são levados às atividades campeiras, pelas esforçadas recreacionistas. Ao meio-dia, novo churrasco. Dezesseis horas, hora de fugir rápido, pois o café colonial será servido no aconchegante restaurante para 700 convivas. Mais cucas, geléias, tortas, bolinhos fritos, lingüiças e qualquer outra coisa frita. – Blurp duplo, triplo! Jantar na associação dos Confrades Unidos das Confrarias Independentes Unidas. Churrasco! Que surpresa!

O melhor no domingo de dezembro é que existem apenas quatro, usualmente. Com algum esforço dos promotores de festa, poderão ser em número de seis ou sete. Haja azia!

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