9.12.07

aC. ou dC.?

Foto: Paulo Heuser
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aC. ou dC.?

Por Paulo Heuser


Às vezes penso como faziam para datar alguma coisa, antes de Cristo. Não podiam simplesmente escrever ano tal, aC. Sem o C, não havia aC., ainda não. Consultando o alfarrábio eletrônico, descobri que, aparentemente, o calendário cristão foi concebido pelo monge e matemático grego Dionysius Exiguus – Dionísio, o Pequeno – em 525 dC. Em aC., seria mais difícil. Até então, utilizavam um calendário que iniciara com o reino do imperador Diocleciano. Como este não morria de amores pelos cristãos, e vice-versa, o monge Dionísio resolveu seguir outra linha. Assim, retroativamente, propôs o sistema aC., dC., até hoje utilizado. Portanto, os antigos não enfrentaram o problema que tanto me preocupou. Ora, ninguém poderia saber, em 10 dC., por exemplo, que já existira um ano 10 aC., que só viria a ser inventado em 525 dC. Simples, não? Como não havia computadores, na época, as consultorias deixaram de ganhar rios de dinheiro, com o bug do ano zero, que nunca houve, graças à inexistência do ano zero.

Dionísio, o Pequeno, utilizou Cristo como referência inicial do seu Calendário Cristão. Já em Cuba, poderiam montar um Calendário Castrista, utilizando Castro como referencial. Poderiam inclusive copiar o aC., dC. – antes de Castro, depois de Castro. Os britânicos poderiam adotar o Churchill como referência: antes de Churchill, depois de Churchill. Os mais puritanos talvez preferissem Cromwell. Charles provavelmente não seria a opção mais indicada.

Os venezuelanos já têm sua opção: Chávez. Talvez menos perene que o próprio Chávez gostaria, mas sem dúvida é um referencial marcante. Com certeza, ninguém o esquecerá tão cedo. Os chineses e os outros povos que não adotam o Calendário Cristão têm lá também os seus problemas. O calendário chinês não tem evento inicial de referência, pois é cíclico, repetindo-se em ciclos menores, de 12 anos, e maiores, de 60 anos. Os ciclos menores se dividem em anos, cada um designado pelo nome de um animal. As ofertas de crediário das Casas Fiungzong são mais ou menos assim: Leve agora, comece a pagar somente no próximo porco e termine quando chegar o macaco. Propositadamente, ou não - para mantermos a dialética preservada -, eles escondem que o sujeito de olhos puxados pagará, do rato ao carneiro, antes da chegada do próximo macaco. Coisas de marketing. E o chinês vai para casa, feliz da vida, levando seu esticador de fusilli zero bala, que pagará em 10 suaves anos. Os chineses poderiam optar pelo Calendário Confúcico, utilizando como referencial o pensador Kung Fu Tse, mais conhecido por aqui como Confúcio, que viveu entre 551 e 479 aC. – este C, de Cristo, evidentemente. Mas, como o Confúcio lá é com K, não daria certo. Teriam de usar aK., dK., o que desvirtuaria qualquer calendário aC., dC.

Os australianos têm a banda AC/DC, de rock pesado. Os franceses poderiam invocar de Gaulle, que, antes de tudo, era Charles, com C. Os norte-americanos poderiam optar pelo Clinton ou pelo Carter, dependendo do gosto por charutos.

Bem, finalmente chegamos aqui. Campos Sales? Não, não tem o apelo necessário. Café Filho? Não, como o próprio nome denuncia, foi café pequeno. Carlos Luz? Quem foi ele? Dois dias de governo não lhe permitem entrar dessa forma para a história. Castelo Branco ou Costa e Silva? Muito generais, dirão alguns. Chegamos ao Collor. Pode ter gerado um bocado de confusão, mas empreendeu a Segunda Abertura dos Portos. A de Dom João já deixava saudades. Graças ao Collor passamos a beber cerveja do Kurdistão e espumante de Burkina Faso. Contra ele, há o fato de ter ex-mulheres, e algumas não conseguem ficar tão caladas como o Rei Juan Carlos gostaria. Resta-nos o Cardoso, mais aristocrático, bem falante e bem comportado. Porém, é o arquiinimigo da situação. Fica chato torná-lo referencial de calendário. Há um C que mexe com este País. Aliás, nunca antes neste País brigou-se tanto por um imposto. Poderemos utilizar a CPMF como referencial de calendário. Teremos o aC., dC. – antes da CPMF, depois da CPMF.

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