2.1.08

O homem e o mar

Foto: Paulo Heuser



O homem e o mar

Por Paulo Heuser


O homem sentou-se como pôde sobre a pequena duna apinhada de gente. Ele queria ver o mar. Ah, o mar. Quem algum dia não se quedou bestificado olhando para aquela imensidão de água? Assim ficou aquele homem olhando para o mar. Não fora fácil chegar até ali, pois havia gente demais junto à praia. Uma fantástica multidão que tentava desesperadamente chegar até o mar.

Como não sentir saudades da infância, quando ele podia correr livremente pela areia? Empinando uma pipa artesanal, quem sabe? Agora, não mais. Se corresse mais do que um passo, tropeçaria em alguém. As pipas deram lugar a essas novidades tecnológicas que ameaçavam de cima. A própria viagem até lá fora terrível. Porém, agora ele estava lá, cara a cara com o mar. Deixara o medo para trás, restando a esperança à frente, rumo ao mar. Ah, o mar. Quando menino, ele perdia-se em devaneios, imaginando quem habitaria as terras que havia do outro lado daquele mar. Poderia um dia cruzá-lo? Levaria um dia, uma semana, um mês? Que tipo de monstro se esconderia nas águas profundas?

Hoje se preocupava com a conquista de um pequeno pedaço de areia, apenas para ficar sentado olhando para o mar. Esqueceu a sede. Para arrumar algo para beber, deveria enfrentar aquela turba enorme, arriscando-se a perder o pequeno pedaço de areia que havia conquistado. A brisa marinha fê-lo esquecer tudo.

Chegar até aquela pequena duna fora uma grande empreitada. O homem sentia-se tão exausto que ainda nem pensara na volta para casa. Conquistar aquela simbólica colina, carregado de tralhas, exigira muito esforço, determinação e estratégia. Ele queria aproveitar o agora, esticando-o ao máximo. Que o futuro ficasse para o futuro. Onde foram parar aquelas pipas poéticas? Por que deram lugar àquelas engenhocas voadoras? Por que encheram o céu com explosões ensurdecedoras? Por fim, o pensamento em como sair dali começou a tomar força. O que aconteceria quando todos resolvessem voltar para casa ao mesmo tempo? Uma grande confusão, com certeza. Uns passariam sobre os outros. Por que ele não ficou em casa? O que diabos fazia em meio àquelas pessoas, muitas estrangeiras? A saudade de casa ficou mais forte. Como faria para sair dali?

A resposta veio do mar. Aquele homem embarcaria numa das centenas de pequenas e grandes embarcações que retiraram as tropas aliadas de Dunquerque, na costa francesa junto à Bélgica, no início de junho de 1940. Era o fim da fracassada Operação Dínamo, que resultou no cerco de 300 mil soldados aliados, na pequena área de 5 km junto ao mar.

Aquele homem deu-se por feliz, pois retornou para casa, na Inglaterra. Respondeu à convocação do exército britânico e foi involuntariamente para a guerra. Sessenta e sete anos, sete meses e 11 dias depois, Zé pensava na mesma coisa, sentado sobre o que restou de uma duna, cercado por meio milhão de pessoas que festejaram voluntariamente o Ano Novo na praia. Como faria para sair dali e retornar para casa? Definitivamente, a História nada lhe ensinou!


prheuser@gmail.com
www.pauloheuser.blogspot.com
www.sulmix.com.br

Marcadores: , , , , , ,