3.1.08

O selo



Foto: Wikipedia
O selo

Por Paulo Heuser


- Olha o seeeeelo! Olha o seeeeelo! É o do inmeeeeetro!

O sujeito gritava a plenos pulmões, atraindo aquela multidão dos que nada têm a fazer ou não têm pressa alguma em fazê-lo. São os que apenas estão passando sabe lá de onde, sabe lá para onde. Deles também é feita a multidão que assiste à abertura dos buracos de rua. Tonhão é um deles. Como não havia buraco à vista, ele escolheu assistir ao sujeito que gritava: - Olha o seeeeelo! Olha o seeeeelo! É o do inmeeeeetro! Tonhão chegara cedo ao Centro, porém esquecera-se do que viera fazer. O que fazer? Já que estava lá, o negócio era aproveitar. Posicionou-se a distância segura e adotou a postura padrão do observador universal urbano: um pé à frente, escorado sobre a outra perna, braços cruzados e olho atento à reação dos demais passantes. Em menos de dez minutos Tonhão passou de observador a perito. Então discorria com desenvoltura sobre seja lá o que for, utilizando uma das mãos para aumentar a eloqüência, sem descruzar os braços.

Um homem vestindo terno cinza-casamento, dos anos 50, parou para assistir ao espetáculo. Portava uma pasta cor-de-rosa para documentos, daquelas com elásticos que prendem os cantos. Dava para apostar na cabeça que sua origem ou seu destino eram o tabelionato. Aquele tipo humano vive nos tabelionatos. Mimetizam-se com os móveis de época. Uma época esquecida há muito. Cadeiras de espaldar de compensado já descompensado, mesas díspares, de alturas, comprimentos e larguras diversas, ventiladores de pé sofrendo do Mal de Parkinson e funcionários que nunca olham para os clientes. Eles sempre sabem o que o cliente deseja, mesmo que seja aquilo que o cliente não deseja. Tudo compõem aquela atmosfera de tabelionato. Pois o tal do passante que parou perguntou ao Tonhão sobre o tal do selo que o outro sujeito anunciava aos brados.

- Ô meu! É selo para carta?

Tonhão fez aquela cara de desalento de professor de Equações Diferenciais II e respondeu-lhe olhando para o lado:

- Não, homem! É o selo do inmetro, o novo!

O homem do tabelionato fez cara de aluno de Equações Diferenciais II. Tonhão percebeu que não se fizera entender e completou:

- É para o capacete. Agora exigem o selo do inmetro no capacete dos motoqueiros.

- Ah. Agora precisa, é? – O homem do tabelionato fez cara de quem entendeu o Teorema de Parseval.

- É, se o fiscal pegar o cara sem, dá multa de cento e noventa paus!

- Caramba! Tudo isso por causa de um selinho?

- Não é um selinho qualquer! Esse é do inmetro!

- É melhor do que os outros?

- Cara, esse não sai nem com álcool. É legítimo mesmo.

O homem da pasta rosa assistiu mais um pouco à gritaria do sujeito do selo e decidiu-se:

- Quero um! – Sorria, por trás dos óculos de fundo de garrafa de sidra.

- O senhor faz bem! Podem apreender sua moto, se não tiver o selo do inmetro no capacete.

- Eu não tenho moto... – disse o homem da pasta rosa.

- Por que quer o selo, então? – Tonhão perguntou.

- Esse não é do inmetro? – o homem assumiu novamente aquele olhar de aluno de Equações Diferenciais II.

- É...

- Então! Só compro do melhor!

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