20.1.08

Os leiautistas

Foto: De Tudo um Pouco

Os leiautistas

Por Paulo Heuser


Nos primórdios empresariais não havia preocupação com leiautes. O dono do negócio contratava um feitor, chamado também de gerente, que determinava onde os demais vermes, digo, colaboradores, ficariam sentados, quando se sentavam. Quem reclamava podia procurar outro lugar, em outra empresa. Depois veio a época da eficiência. Analistas de O&M – Organização e Métodos – estudavam os processos, a movimentação dos funcionários – já não eram mais apenas vermes – e determinavam o melhor posicionamento do mobiliário, sempre pensando na eficiência. Finalmente, quando os funcionários tornaram-se colaboradores, os novos ventos da gestão de pessoas deixaram para os próprios ex-vermes a escolha do leiaute do seu lugar de trabalho.

Os espaços físicos, por si só, deixaram de ter importância. O importante passou a ser a equipe, o time. Não há time vencedor sem um líder. Antigamente definiam gerente como alguém que conseguia que os outros fizessem coisas para ele. Hoje, defini-se líder como a pessoa que senta ao lado da janela. Os líderes conseguem posicionar sua mesa ao lado da janela exatamente por serem líderes. São conhecidos também como cascudos de aquário, permanentemente grudados ao vidro.

Os verdadeiros líderes conseguem sentar-se ao lado da janela porque são os leiautistas de plantão. Estão sempre propondo mudanças no leiaute, dos outros. Mantêm o espaço graças ao caos espacial dos demais vermes, digo, colaboradores. Não esperam a hora, fazem acontecer. Sabedores de que a relativa estabilidade espacial pode levar à revolução, provocam mudanças, mesmo quando desnecessárias. Um bom leiautista transfere os vermes, digo, colaboradores, de um lado para o outro, mesmo que as mudanças sejam desnecessárias. O que importa realmente é a manutenção do ambiente em permanente dinâmica. Assim, asseguram seu lugar ao sol. Como leiautistas, trocam todo mundo de lugar, menos eles próprios, evidentemente.

Definir os espaços ocupados pelos membros de um time é algo que exige conhecimento de equipe. Aqueles velhos ensinados de O&M são coisa do passado. Do tempo em que não havia Orkut, You Tube nem jogos de paciência. Os jogadores de paciência modernos são denunciados pelos cliques do mouse e pelo olhar bestificado. Olham fixamente para a tela enquanto clicam compulsivamente. Esses colaboradores devem sentar de costas para a parede, recebendo um mouse pad acolchoado para absorver os cliques. Os colaboradores fonófilos, que não abrem mão dos fones de ouvido, devem ser colocados na entrada da área, pois nada ouvem quando alguém lhes pergunta algo, nem ouvem a campainha do telefone.

Um cuidado especial deve ser tomado com os colaboradores megafones, que exaram opiniões aos brados, em todas as direções. São os Galvões Buenos. Preferencialmente, devem ser confinados nos armários. Os leiautistas sabem de todas essas coisas. Preocupam-se especialmente com as samambaias, seres que povoam os frios escritórios modernos. Samambaias dependem da luz, como alguns seres humanos. Não muitos, na verdade. Quem depende mesmo da luz são os próprios leiautistas. As samambaias deles são as maiores, as mais verdes e as mais vistosas. A saúde da samambaia é termômetro da eficiência do leiautista.

Naturalmente, os leiautistas vêem seus pequenos feudos envidraçados permanentemente ameaçados por algum colaborador insurgente. Conseqüentemente, os leiautistas nunca conseguem gozar férias tranqüilas, mesmo quando levam consigo a samambaia. Ficam permanentemente a pensar na possibilidade de um dos membros da equipe promover uma mudança de leiaute na ausência dele. O pavor foi tanto, que alguns leiautistas fundaram o Cartel Leiautista, trocando idéias e experiências. Desse grupo surgiu um produto moveleiro que lhes dará relativa tranqüilidade: mesas fabricadas sob medida para o prédio, todas unidas e impossíveis de mover. Uma vez instaladas, não podem mais trocá-las de lugar. Esse novo tipo de mobiliário tornou desnecessárias as mudanças preventivas promovidas exclusivamente para a manutenção do lugar junto à janela, reduzindo sensivelmente os custos.

O lançamento do mobiliário definitivo não passou despercebido. Além de o projeto conquistar o prêmio Destaque Empresarial, na área de leiautes, o gerente do projeto recebeu uma promoção para um cargo de extrema confiança. Passará a liderar a equipe de um projeto tão secreto que eles trabalham no quinto subsolo.


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