26.2.08

Polvos albinos



Foto: Paulo Heuser

Polvos albinos

Por Paulo Heuser



Ouvi um relato de alguém muito decepcionado com um prato de massa al pesto alla genovese, molho que combina manjericão fresco, pinoli - pinhão do Mediterrâneo -, queijo tipo pecorino – de leite de ovelha – e azeite. É um molho cru, servido frio sobre a massa larga, preferencialmente tagliatelle. Na falta de pinoli e pecorino, improvisam com nozes e parmesão ralado. Mudam o gosto, mas mesmo assim fica bom. Prepara-se o molho no pilão, amassando os ingredientes até que se transforme numa pasta homogênea verde-esbranquiçada. A decepção do amigo deveu-se à forma como o pesto foi preparado: o pilão e os ingredientes deram lugar ao vidro da prateleira do supermercado. O cozinheiro preparou a massa e derramou molho pronto sobre ela. Molho pronto tem gosto de molho pronto. Há coisas demais lá dentro, que acabam produzindo aquele gosto comum às sopas de pacote, cubos de caldo de qualquer coisa e molhos prontos, todos fabricados pelas mesmas empresas. Assim, a sopa creme de aspargos acaba com o mesmo gosto do caldo de pizza de coração, que por sua vez apresenta o mesmo gosto do molho pronto de batatas fritas com bacon. Mudam apenas a apresentação.

Quem nasce nos perímetros urbanos, mais desenvolvidos economicamente, tende a desconhecer a comida de verdade, aquela preparada apenas com ingredientes primários ou não manufaturados. Comem comida pronta ou preparada em grandes porções, como no caso dos bufês. Essas pessoas adquirem gosto padrão, encontrando dificuldade para comerem os pratos menos presentes nas prateleiras de comidas prontas. Há vários exemplos de comidas que estão longe da unanimidade, entre a população. Um exemplo típico é a morcela (morcilha), preparada a partir do sangue do porco. A totalidade da população jovem urbana torce o nariz para tal iguaria preparada pelos nativos de terras menos povoadas. Outro exemplo é a copa, preparada a partir da carne defumada do pescoço do porto. Os urbanos preferem estranhos e pálidos presuntos, sem gorduras, sem gosto.

Os pães urbanos podem se apresentar nas mais variadas formas e composições, algumas muito boas, realmente. Contudo, o que predomina é um pão cheio de fermento que acaba completamente oco, quando assado. Regulamentaram sua venda por quilo, após constatarem que alguns pães apresentavam densidade semelhante àquela do ar. O pão de meio quilo poderia alçar vôo, frente à brisa mais forte.

Dia desses, almocei num restaurante do rodízio que serviu uma interessantíssima galinha caipira ao molho pardo. De caipira, nem o tataravô. O molho pardo, no entanto, parecia-se com um molho pardo de verdade, feito com sangue, como manda a receita original. Os garçons não mencionavam a composição do molho. Se o fizessem, provavelmente iriam defini-lo como um molho preparado com fluidos corpóreos vitais. Ou, quem sabe, ensopado de hemácias? Já inventaram os cubos de caldo de sangue de galinha caipira?

O que dizer do ensopado de dobradinha (mondongo), então? Qual seria a reação das crias de fast food, ao vê-lo? Posso imaginá-la! Sairiam correndo porta afora, gritando:

- Que nojo! Eles comem polvo albino cabeludo!

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