25.2.08

Quartelada edilícia



Foto: Paulo Heuser
Quartelada edilícia

Por Paulo Heuser


Pantoja passou a vida profissional cuidando da segurança dos outros. Reformado, passou a cuidar da sua e da dos seus. Deixou para trás a cidade grande, com todos os seus perigos. Optou por morarem em local bem protegido. Pelo menos é o que o corretor lhe vendia. Um misto de natureza e segurança. Porém, o que Pantoja viu, quando lá chegou, de longe lhe agradou. Havia um porteiro esquálido e sonolento na cancela de acesso à fortaleza. E chamavam aquilo de muros? Com míseros quatro metros de altura?
O síndico ouviu uma hora e meia de rugidos telefônicos, exarados pelo Pantoja, a respeito da débil segurança daquele local. Por fim, até para se livrar momentaneamente do Pantoja, ele concordou em convocar uma assembléia extraordinária do condomínio, de cuja pauta constou apenas um item: segurança. Assembléias de condomínio que tratam desse aspecto costumam lotar a casa, com dois tipos clássicos de freqüentadores: os paranóicos e os apertados. Os paranóicos adoram qualquer tipo de investimento em segurança pessoal e patrimonial. Os apertados tentam evitar, a qualquer custo, novas despesas ou investimentos condominiais. E segurança é um negócio caro, muito caro.

Por segurança, Pantoja convenceu o síndico a colocarem um porteiro extra, na entrada da sala da assembléia, para identificarem os presentes. Sem identidade, nada feito. Nem o Seu Olegário – primeiro morador do condomínio – conseguiu entrar, pois não aceitaram sua identificação visual. Ou documento, ou nada feito. Segurança é segurança! O Pantoja continuou inovando, ao convencer o síndico a convocarem a segunda chamada para o horário da novela das oito.

Aos doze minutos do início da assembléia o síndico jogou a toalha e renunciou. Anunciou que voltaria à cidade grande, longe do Pantoja, recém eleito novo síndico, numa autêntica quartelada edilícia. Informada pelo marido, Dona Lupanária gritava: - Ele não pode fazer isso! – Mas, a novela das oito gritou mais alto. Ela ficou, Pantoja triunfou.

O salão de festas transformou-se em quartel general. Não era tempo para festas, era tempo para lutarem pela segurança! De lá partiram as novas regras e ordens que transformaram completamente a vida intramuros, a começar pelos próprios muros, cuja altura foi elevada para oito metros, recebendo também o arame farpado, cacos de vidro e a eletrificação. O calcanhar de Aquiles – a portaria – recebeu novo pessoal e novos equipamentos. Lanças fura-pneus operadas pelo pessoal da Legião Estrangeira Nacional, para-empresa de vigilância inspirada na célebre instituição francesa, garantiram a segurança no acesso. A comunicação mostrou-se um pouco falha, pois Dona Candinha borrou-se nas calças ao ser barrada por dois soldados vestidos de preto e com tocas ninjas, portando metralhadoras Chukrutnikov, que lhe pediam a senha enquanto miravam no meio dos seus olhos. O caso rendeu um pedido público de desculpas, por parte da tropa, durante a solenidade diária de asteamento do pavilhão condominial e da leitura da ordem do dia.

As visitas de parentes e amigos passaram a ser agendadas com um mês de antecedência, tempo suficiente para investigarem a vida pregressa dos estranhos. Havia tempo também para efetuarem todos os exames clínicos e laboratoriais que atestassem a boa saúde dos visitantes. O pessoal aprendeu rapidamente a agendar as tele-entregas com boa antecedência. Difícil foi convencerem os motoboys a realizarem todos aqueles exames, mesmo quando pagos pelos clientes. Das notas de entrega das pizzas passaram a constar novos itens, como: honorários médicos, hemograma, sorologia e outras coisas menos pronunciáveis. Por fim, o próprio Pantoja encontrou uma saída para o problema representado pela restrição de acesso aos serviços externos. Montou uma intendência, própria do condomínio, que passou a servir pizzas clássicas, como a Monte Castelo, Waterloo e Trafalgar. Tudo muito seguro.

Pantoja descobrira há muito que a dinâmica do condomínio deveria ser mantida, para manterem alto o moral da tropa – dos condôminos, no caso. Na última ordem do dia anunciou a instalação de diversos pára-raios. O pessoal estranhou, mas Pantoja logo explicou: os pára-raios impediriam o ataque inimigo a partir de helicópteros.

Pedrinho foi a única voz dissonante na fortaleza inexpugnável. Tímido, puxou a calça do Vovô Pantoja e lhe perguntou:

- Vô, é verdade que estamos na praia?

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