9.3.08

Esporte espetacular

Foto: Wikipedia
Esporte espetacular

Por Paulo Heuser


Agnelídio levanta cedo nos domingos. Esse negócio de dormir até não poder mais não é com ele. Após uma semana mofando no escritório, a única coisa que ele deseja é o fim de semana dedicado ao esporte. Essa atividade faz parte da história e da evolução humana. Fomos caçadores, guerreiros, e terminamos como almofadinhas de escritórios climatizados – ele acredita. O espírito olímpico sempre foi chama viva na alma do Agnelídio.

Nem é necessário despertador para que esse atleta dominical caia da cama. Ele sempre acorda às 6h10, faça chuva, faça sol, inverno ou verão, Natal ou Carnaval. Já houve casos em que ele varou noite numa festa e chegou em casa às 06h20. Compensou com dez minutos a mais de esporte. Agnelídio acorda tão cedo porque cumpre um ritual. Não abre mão dele. Após espreguiçar-se por alguns momentos, levanta-se e vai à cozinha. Esporte exige um desjejum especial e reforçado. Ele não abre mão da vitamina esportiva especial, receita desenvolvida ao longo de anos e anos de práticas desportivas. Ele joga dois ovos crus inteiros, com as cascas, no liquidificador, e acrescenta um litro de gueitoreide, uma lata de patê de fígado de galinha – sem a lata -, um rim de porco – assado – e o conteúdo de uma lata de sardinhas no óleo comestível. Bate bem a coisa, até obter consistência indefinível, algo entre o líquido e o pastoso. Então, vem o segredo que faz toda a diferença. O elixir deve ser bebido no bico, diretamente do copo do liquidificador, se for possível desgrudá-lo de lá. O desjejum do Agnelídio é definitivamente frugal. Nada de pão ou qualquer sólido, apenas a vitamina desportiva. Enquanto manda a vitamina abaixo, ele dá uma lida na seção de esportes do jornal. Seu negócio dominical é o esporte, definitivamente.

Para Agnelídio, há apenas um esporte: o futebol. Ele respira e transpira futebol. Ele chama as outras modalidades desportivas de brinquedos. Brincam de jogar vôlei, basquete e tênis, segundo ele. Futebol sim, isso é esporte. Reúne multidões aos domingos, seja nos campinhos de peladas, seja nos estádios, templos máximos da modalidade. Lá que vive o verdadeiro espírito olímpico.

No início, a patroa foi contra as domingadas esportivas do Agnelídio. – Você ainda vai morrer disso! – gritava ela. Até que ela assistiu a um programa na TV sobre a conveniência de praticar esportes para manter a boa forma. Ele estava longe da boa forma, mais uma razão para mergulhar fundo no futebol. – Só não vá ter um tédio (piripaque)! – ela passou a gritar. É verdade que Agnelídio mudou um pouco os hábitos, com o passar do tempo. O namorado da coletora de palpites para a loteria paraestatal, que estuda medicina, contou-lhe que não é recomendável a prática de exercícios logo após acordar. Tem a ver com as plaquetas do sangue, que o tornariam mais denso, facilitando os piripaques. Desde então o Agnelídio dá um tempo antes do início da jornada desportiva dominical. Lá pelas oito horas, já vitaminado e com a densidade do sangue correta, ele prepara o equipamento. Estende sobre a cama o suporte atlético, as meias, calção, camiseta do timão e pega o par de chuteiras novas. Veste-se lentamente, com o mesmo cuidado que um astronauta veste seu macacão espacial. Verifica cada detalhe, pois pequenas dobras podem causar grandes bolhas. Chega a hora do alongamento. Panturrilhas, adutores e todos íceps do corpo recebem atenção especial.

Clarins imaginários soam pela casa quando Agnelídio parte em direção ao topo do Olimpo, apelido que a patroa deu ao sofá da sala, onde ele ficará estarrado pelo resto do domingo, assistindo a todos programas sobre futebol.


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1 Comments:

At terça-feira, 11 março, 2008, Anonymous Anônimo said...

hahaha.
muito boa!

 

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