17.7.08

427 - Uma questão de óptica



Madonna des Kanonikus - Georg van der Paele de Jan van Eyck
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Uma questão de óptica

Por Paulo Heuser


Boa parte da percepção do mundo ao nosso redor ocorre através dos nossos olhos. Sendo assim, devo perceber um mundo meio tordo, e fora de foco, pois o Criador não estava exatamente num bom dia, quando criou meus olhos. Talvez isso explique por que vejo o mundo de forma diferente, quando comparado com aquele visto por outras pessoas. O astigmatismo nem incomoda muito. Porém, combinado com a presbiopia e a hipermetropia, torna a leitura em grande desafio. E me leva à percepção de coisas que os outros não vêem. Uma questão de óptica, sem dúvida.

Estudei óptica, com direito aos experimentos de laboratório. A primeira grande dúvida que surge é: será óptica ou ótica? Logo aprendemos que a óptica diz respeito à visão, e a ótica à audição. O laboratório de óptica, curiosamente, era escuro. Usávamos a ótica para realizar experimentos de óptica, já que o único sentido útil, no escuro, era a audição, além do tato, é claro. Além de apagarem todas as luzes, tapavam todas as frestas por onde pudesse entrar luz externa. Outra coisa curiosa era o roteiro do experimento, impresso no papel com caracteres Times New Roman, tamanho 8. Muito bom para ser lido no escuro - pelos morcegos, bem entendido. Lá, os óculos podiam ser dispensados. Nada se enxergava, com ou sem eles. Para não dizer que o experimento era lazer, trabalhamos com laser. Um professor mais distraído poderia se esquecer de avisar os seus alunos do perigo de se olhar para uma fonte de luz coerente, como o laser. A luz dele frita o fundo do olho. Uma questão de óptica, sem dúvida.

Hoje, numa roda de conversa jogada fora, descobri que realmente tenho uma visão distorcida do mundo que me cerca. Fui um dos poucos que acharam engraçado o episódio do delegado que foi fazer um curso. Poderiam encontrar uma explicação mais digerível, para retirá-lo de cena. Desse jeito, ficou difícil de engolir. Está certo, o homem exagerou. Chamou a Globo e mandou algemar os detidos. Foi uma festa para os olhos do povo, mas fica difícil imaginar o Pitta ou o Dantas fugindo a pé, ou se engalfinhando em luta corporal com os agentes. Vá lá que o delegado vai ao curso, mas que ficou esquisito, ah, isso ficou. A história dos trechos da gravação, piorou mais ainda. Agora, até os grampeados estão loucos para divulgar os grampos, com a alegação de que não é possível provar o que não está grampeado (?), mesmo que em pedaços.

Disseram-me que não vejo os fatos pelo outro ângulo. Falta-me óptica. Eu deveria olhar o problema pelos dois lados, assumindo que o problema tem apenas dois lados, naturalmente. Seriam os lados do bem e do mal? Do branco e do preto? Cada lado é apenas uma visão, pelo outro lado, dele mesmo? Uma questão de óptica, sem dúvida.

Contudo, se o soneto – o afastamento - já pareceu esquisito, a emenda – o fica delegado - foi ainda pior. Há coisas que não têm conserto. Quando se quebram, deixe estar. Não importa por que lado eu olhe, me dá uma tremenda vontade de rir, para não chorar. O riso é o outro lado do choro. Uma questão fisiológica, sem dúvida.

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