5.7.08

423 - Onde está você?



Foto: Wikipedia
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Onde está você?

Por Paulo Heuser


Todo dia surgem inovações tecnológicas que maravilham os tecnófilos. Há gente que não gosta de permanecer horas a fio olhando para pequenas telas, enquanto apertam minúsculos botões. Porém, a maioria gosta. Um habitat dos tecnófilos é o saguão do aeroporto. Eles usam mochilas de acampamento, trocando o saco de dormir pela parafernália eletrônica. Ambos são muito úteis, nos dias de hoje. O sujeito pode repousar, enfiado no saco de dormir, enquanto espera o aeroporto abrir. Para passar o tempo, acessam os sítios de tecnologia da Internet, onde encontram novas parafernálias eletrônicas, que exigem novas mochilas. Por falar nelas, algumas estão recheadas com baterias para os inúmeros dispositivos que fazem parte do uniforme de executivo moderno. Há modelos que foram dotados de painéis solares, carregando as baterias enquanto o usuário anda ao Sol, ou seja, nunca.

Quem carrega todos esses trastes está em um de três lugares: na sala de espera do aeroporto, na sala de espera dos clientes ou na sala de espera de casa. Eles nunca chegam, estão sempre esperando. Os tecnófilos sofrem muito com a depressão tecnológica provocada pela descoberta de que a sua parafernália eletrônica não é mais a mais moderna. Lançam algo mais avançado, e, o que é pior, sempre há pelo menos duas novas gerações de trastes, prontas para lançamento, na espera apenas pelo obsoletismo da anterior. Os compradores das tralhas têm apenas uma semana de prazer da novidade. Após o descanso do sétimo dia, tornam-se aqueles que têm o modelo anterior. Poucas coisas vexam mais um tecnófilo que a propriedade de um modelo anterior.

Os fabricantes das tralhas apelam para alguns artifícios, para venderem os novos modelos da parafernália eletrônica. Eles contratam pessoas com a aparência de tecnófilos bem sucedidos, que andam pelas salas de espera dos aeroportos, exibindo o objeto do desejo daqueles que adoram telinhas e ícones. As tralhas já vêm sem botões. Basta fincar-lhes a unha. Os mais sofisticados salões de estética já oferecem o trato de unhas compatível com iPhone Touch, maravilha que combina as funções de computador e uma série de outras coisas. Ah, é um telefone. De toque?

O melhor das tralhas eletrônicas ainda está por vir. Você deixará de ser apenas um ponto na multidão. Será um ponto identificado na multidão identificada. Seja através do chip do seu celular, seja através de reconhecimento biométrico, eles saberão onde você está. Quem são eles? Ora, são eles. Os que querem lhe vender algo. Você entrará numa loja de departamentos e o computador do marketing perceberá sua presença. Ele consultará o banco de dados, pesquisando quais foram suas últimas compras, seu crédito, seus hábitos, hobbies, etc. Aí você estará ferrado. Seu cadastro poderá indicar que é louco por lingiere feminina, graças a sua namorada, que levou seu celular por engano, no dia em que ela fez compras naquela loja. O sistema de som ambiental anunciará, a plenos pulmões:

- Boa tarde, Sr. Fulano. Recebemos novos modelos de espartilhos para seu manequim, na cor que você usa!

No restaurante, a coisa poderá ficar igualmente complicada, mesmo sem troca de identidade. O garçom poderá lhe trazer um cardápio alternativo, após verificar no banco de dados o resultado do seu último exame de colesterol. Você pedirá camarão frito e ele lhe trará peito de frango cozido no microondas. Você pedirá vinho, ele lhe trará suco de uva, pois o computador saberá que você entrou pelo estacionamento. Mesmo chegando de táxi, poderá ter problemas. Quem pedir um vinho mais caro, para impressionar a mulher que o acompanha, poderá ouvir:

- Excelente escolha, senhor! Porém, devo avisá-lo de que o sistema informa que esse vinho está além das suas possibilidades de consumo. Pelo seu retrospecto enológico, o senhor não saberá apreciar a bebida. Ele lembra também que a prestação do carro vence na segunda-feira, e a do motel, cuja última fatura o senhor parcelou, na terça. Para beber, lhe recomenda cerveja.

Florescerá o mercado do celular-laranja. Venderão aparelhos com chips que levarão ao cadastro de monges contemplativos enclausurados, que nada consomem, além de comida e túnicas simples. Quando o reconhecimento biométrico for implantado por toda parte, as burkas – vestimentas muçulmanas que cobrem todo o corpo – serão muito utilizadas, inclusive pelos homens, na tentativa de passarem incógnitos.

Ontem, tememos os vendedores de enciclopédias. Hoje, tememos os gerúndicos telemarketeiros. Amanhã, temeremos a sombra. Ela pode ser biometricamente reconhecida.

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