413 - Quilombos albinos
Cudiguim. Wikipedia
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Quilombos albinos
Por Paulo Heuser
O que é a maioria, senão uma colcha de retalhos das minorias? Nunca antes, não apenas neste País, as minorias conquistaram tantos direitos. A Carta da ONU dá extremo destaque à preservação étnica, religiosa e lingüística das minorias. A Constituição Brasileira de 1988 permite uma leitura através de filtros temáticos, que leva à interpretação extremamente subjetiva. É o ultrajusnaturalismo. Cada um lê o que quer, como quer. Portanto, entramos na era da preservação das pequenas manifestações culturas.
O Brenner tentou criar uma minoria una. A minoria mais singela do mundo. Era apenas ele mesmo. Uma minoria tem de se destacar da maioria, e das demais minorias, por algum aspecto notável. O Brenner se destacava dos demais pela sua alimentação. Exatamente esse aspecto que o diferenciava do resto da população, foi o fato determinante para que tivesse negado o reconhecimento da sua minoria. A Subsecretaria Nacional de Defesa das Minorias, ligada ao Ministério do Inferior, não aceita mais o registro de minorias unas. As minorias têm de apresentar pelo menos dois minoritários. Brenner não conseguiu convencer outro a adotar seus hábitos alimentares. Quem mais comeria peixe, temperado com muito alho, e macarrão, esquentados no forno de microondas, num pote fechado de plástico? De três em três horas, bem entendido. Os candidatos não passavam da qüinquagésima vez.
Outro exemplo de minoria é a do Kritter. Porém, esta prosperou, pois deixou de ser una. Kritter andava chateado com o governo. Não é que o tratassem mal. Não o tratavam, simplesmente. Como elemento da maioria, era ignorado. Após haver esbarrado no crivo da Subsecretaria, Kritter não demorou a conseguir outros adeptos. Analisando os aspectos diferenciais aceitos pelo órgão regulador, ele optou pela formação de uma minoria dos descendentes de imigrantes prussianos, já que ele próprio seria um. Esse critério mostrou-se insuficiente, pois havia gente demais que se enquadrava. Acrescentou outro critério aceito: a religião. Kritter professava o protestantismo luterano. Teve de ser muito específico nesse aspecto, pois havia muitas religiões protestantes, abrigando um universo muito grande de pessoas. Kritter acrescentou, como característica, a luta contra a religião católica, em vingança pela Contra-Reforma do Papa Paulo III. Dormiu fora de casa, naquela noite, pois se esqueceu de que se casara com uma católica. Acabou acrescentando este como um atributo: ter se casado com cônjuge católico(a). Como o universo de pessoas pertencente a esse conjunto ainda era muito grande, Kritter acrescentou também os aspectos alimentares, que, em última instância, eram culturais. Os integrantes da minoria deveriam gostar de comer zampone (cudiguim) maturado no vinagre de losna, temperado com rabanetes em conserva e rábano-picante (Armoracia rusticana), crucífera que dá nova cor à vida. Se alguém tem dúvida, quanto ao que é cudiguim, melhor não sabê-lo, nem comê-lo. O fator alimentar foi decisivo para reduzir a minoria aos cinco membros atuais.
O processo de reconhecimento da minoria dos descendentes de imigrantes prussianos protestantes luteranos, não-calvinistas, não-pentecostais, casados com cônjuges católico(a)s, apreciadores de cudiguim maturado no vinagre de losna, temperado com rabanetes em conserva e rábano-picante, anda de vento em popa. Uma minuciosa pesquisa no arquivo histórico, cujo acervo foi completamente destruído no incêndio de 1876, revelou que o local onde hoje está o Parque Moinhos de Vento, o Parcão, foi o primeiro reduto da minoria dos descendentes de prussianos, etc, etc e tal. Habitavam uma espécie de quilombo albino. Tão logo o processo de reconhecimento oficial da minoria estiver completado, Kritter iniciará o processo de requisição da posse daquela área. Kritter pretende também requisitar, em nome da minoria, uma área em Nova Petrópolis, onde hoje está o Parque do Imigrante. Lá teriam se reunido os descendentes de imigrantes prussianos perseguidos pela Ditadura de Vargas, durante o Estado Novo. Depois virão as ONGs e as verbas oficiais liberadas através de emendas ao orçamento da União.
Kritter não se esquece de Platão: “A desgraça de quem não se interessa por política é ser governado por quem se interessa”.
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