10.6.08

410 - A goiabada


Foto: Wikipedia
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A goiabada

Por Paulo Heuser


08h03 – O agente Souza deixa a lanchonete com dois cafés pretos e duas rosquinhas. Após olhar insuspeitamente para todos os lados, ele entra pela porta traseira da caminhonete, em cuja lateral se lê: “Grampos Souza”. O agente Barbosa aceita de bom grado o café quente.

08:37 – O agente Barbosa cutuca o ombro do semi-adormecido agente Souza e avisa que captou uma chamada. Apertou os fones contra os ouvidos e verificou se o gravador estava funcionando.

- Trimmm, trimmm, trimmm, triiiimmm. Click. Alô? – voz de mulher ruiva, jovem, vestindo blusa azul-marinho e saia plissada branca. Ah, calçando sapatos vermelhos de salto 11.

- Oi, bem! – voz de homem na meia-idade, usando óculos brancos da moda, vestindo roupão com emblema de spa, pantufas de Mickey e gorro de lã.

- Oiii... – is desvanecentes, como que sugerindo algo proibido.

- Você conseguiu? – voz de quem ajeitava os óculos.

- Ahã. Consegui.... – is prolongados em biquinho de boca com batom rosa.

- (inaudível) – o agente Barbosa fecha os olhos e aperta mais os fones contra seus ouvidos.

- Ahã. Até que foi barato. Ele tentou resistir, disse que não aprovava esse tipo de coisa, que feria a ética, e todo aquele lero-lero.

- Parece ingênuo, mas não é!

O agente Souza liga para o chefe e avisa que pegaram algo muito interessante. Tão logo puderem, enviarão a fita e a transcrição. No gravador, o papo continua:

- Ahã. Tive de jogar um charme nele, para conseguir. Ele insistia naquela babaquice da ética, que não podia, etc e tal.

- Babaca. – voz de impaciência – como é que você vai mandar a goiabada?

O agente Souza ri. Cada nome que inventam, para referir à muamba! Já vira de tudo. Ia desde “a coisa” até “aquilo”. Goiabada era coisa inédita. Nunca grampeara alguém que comprara “goiabada”.

- Acho melhor mandar numa mala.

- Mala? Boa idéia! Não dará na vista, especialmente num spa. – diz o homem, enquanto ajeita o cinto do roupão.

- É, ninguém suspeitará da mala, especialmente aí, aonde chegam e saem hóspedes a toda hora. Bem, vou providenciar a remessa. Vão entregá-la às 17h.

- Ok, beijo.

- Click.

08h52 – O agente Souza transcreve o diálogo e envia ao chefe.

09h11 – O chefe liga para o gerente e relata o ocorrido.

12h04 – Uma equipe deixa a cidade em direção ao spa. São oito agentes vestindo roupas ninjas, armados até os dentes implantados. Aquele sujeito conseguira se internar no spa, alegando estresse pós-audiência, mas não escaparia tão fácil!

15h30 – A equipe monta campana junto à entrada do spa. O agente Souza sai da caminhonete para procurar rosquinhas e café.

16h25 – O agente Souza sai para comprar mais rosquinhas e café.

16h29 – Dona Bianca, da lanchonete, começa a fritar mais rosquinhas.

16h55 – Os agentes colocam as toucas ninjas.

17h03 – O carro preto pára defronte a entrada de serviço do spa. Dele desce um homem de aparência suspeita, que abre o porta-malas e retira uma pequena mala preta. Dirige-se à entrada de serviço e dá três batidas ritmadas na porta. Quando a porta se abre, os agentes caem sobre ela. O motorista do carro preto alega ser apenas um mensageiro. Sua missão é apenas entregar a mala ao hóspede do 213. O funcionário do spa, que abriu a porta, logo confessa que aceitou propina para dar acesso ao motorista. Diz que sustenta a sogra doente. Uma moça ruiva, muito bonita, havia lhe entregue 50 reais para facilitar as coisas. Ele relutou, a princípio, pois se julgava um homem de bem. Porém, o desespero lhe tirou do bom caminho.

17h29 – O agente Pantoja, chefe da equipe, chama o esquadrão antibombas. Afinal, ninguém sabe o conteúdo da mala. O que seria a tal de “goiabada”?

18h43 – Chega o esquadrão antibombas. O especialista de plantão manda isolar o local. Coloca um anteparo de sacos de areia, ao redor da mala, e ordena que disparem contra ela. Diversos tiros depois, nada acontece. Pé ante pé, o especialista chega próximo à mala, para inspeção visual. Conclui não haver bomba. O ilustre hóspede do 213 tenta escapar de fininho. É impedido.

18h47 – Os agentes forçam a fechadura da mala e conseguem abri-la. Está repleta de goiabada. Com furos de bala, em alguns pedaços.

19h01 – O celular do hóspede ilustre do 213 toca. O agente Barbosa consegue interceptar a ligação:

- E aí, bem, chegou? Essa sua mania de comer montes de goiabada, mesmo no spa, ainda vai lhe render encrenca.


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