22.5.08

402 - O telefone secreto

Foto: Wikipedia
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O telefone secreto

Por Paulo Heuser


Eu adquiri o hábito de não receber ligações telefônicas cuja origem não seja identificável. Boa coisa não pode ser. Provavelmente será um golpe do falso seqüestro, ou alguém querendo me vender algo que eu não quero comprar. Números originados em São Paulo, ou arredores, ou os terminados com dois zeros, também são altamente suspeitos.

Na semana passada, o pessoal da tele-tortura esteve especialmente ativo. Recebi ofertas de terrenos no Condomínio Alto Xingu, no próprio. Ligou também alguém que venderia um plano funerário Pague & Morra, e todo aquele pessoal que vende cartões de crédito e TV a cabo que já tenho. Nunca entendi por que querem me vender algo que já comprei. É uma pena que o aparelho telefônico só consegue armazenar mil números de telefone. Eu costumava associar os números com o nome da bomba que queriam me vender. Assim, quando o telefone tocava, já aparecia uma indicação do tipo serial caller #1, e assim por diante. Porém, o telefone só armazena 100 números na agenda. Por isso, alguns me pegam desprevenido. Aparece aquele número inocente, no visor do telefone, como se fosse da manicura do cachorro. Durante toda a semana, recebi recados de que a Elvira havia me ligado, três ou quatro vezes por dia. Quem diabos seria a Elvira? A vendedora dos jazigos climatizados? O enigma perdurou até o sábado.

Passava muito pouco das oito, quando o telefone fixo tocou. Era a Elvira. Ela falava em nome do cartão Card, que me levaria à festa do peão boiadeiro. Eu ganharia um ingresso para o rodeio, caso aceitasse a oferta. E mais, poderia pagar o ingresso grátis em 10 vezes sem acréscimo. Fui curto e grosso, agradecendo, mas recusando. Afinal, de rodeio, já havia o palhaço que acordara cedo para receber a ligação. Quando eu peguei novamente no sono, eis que o telefone soou novamente. Não aquele telefone fixo. Era o outro, o telefone secreto cujo número nem eu mesmo sei. Sobressaltado, atendi de pronto, pois deveria se tratar de uma emergência. Era a Elvira, novamente. Fiquei tão assustado, que nem pensei em lhe perguntar sobre quem lhe fornecera meu número ultra-secreto. No acesso de raiva, que se seguiu, coloquei o telefone defronte à TV, para que a Elvira ficasse ouvindo a propaganda da academia de ginástica portátil que faz as vezes de tábua de passar roupa, ralador de queijo e andaime para troca de lâmpadas de teto.

Satisfeito com meu sadismo, fui à cozinha. Quando abri a geladeira, percebi que a voz do vendedor da academia 4Fit havia mudado. Ele parecia conversar com alguém. Foi então que eu percebi que a Elvira lhe vendera um cartão.


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