11.5.08

395 - Sazonalidade democrática


Kim Jong-iI - Foto: Wikipedia
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Sazonalidade democrática

Por Paulo Heuser


O processo democrático não é perfeitamente contínuo. Apresenta descontinuidades periódicas. Há quem defenda a monarquia, por apresentar exatamente essa continuidade que falta à democracia. Como naquele regime de governo não há troca dos personagens, a cada quatro ou cinco anos, os projetos de longo prazo não sofrem interrupções ou atrasos. Outros, menos radicais, defendem as reeleições sem limites, que garantiriam a continuidade dos projetos. É o caso dos cubanos, por exemplo. Reconduziram o mesmo sujeito ao poder, durante décadas, garantindo a continuidade dos processos democráticos. Outro que ficou muito tempo no poder, de 1939 a 1973, foi o Chico, carinhosa alcunha do Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco y Bahamonde Salgado Pardo de Andrade, o Generalíssimo Franco, da Espanha. A Iugoslávia teve o longo governo de Josip Broz Tito, entre 1945 e 1980. O português António de Oliveira Salazar esteve à frente do governo entre 1932 e 1968.

Todos esses governantes puderam mostrar a que vieram, pois não tiveram seus mandatos interrompidos a cada pouco. Kim Jong-iI, da Coréia do Norte, dá continuidade aos projetos sociais do seu pai e predecessor no poder, enquanto cultiva uma cabeleira peculiar. Esses exemplos de governos contínuos eram assunto na conversa do happy hour no Prantelha, restaurante dos poderosos de Brasília, numa quarta-feira, véspera de final de semana. Os interlocutores nem precisaram pedir. O garçom trouxe o de sempre: doses duplas de Johnnie Walker Violet Label. Como tira-gosto, caviar Almas beluga iraniano. O Jacuzeira comentava:

- O pior é que o País gasta uma fortuna a cada quatro anos. Desestabiliza tudo. Após as eleições, vêm as intermináveis choradeiras dos aliados, atrás de cargos. É o jardineiro da casa do coveiro do irmão do secretário do tesoureiro da campanha do aliado do vereador, e aí por diante. Leva-se três anos e meio para tentar acomodar esse pessoal todo, e mesmo assim sobram muitos. Os que sobram ameaçam contar aquela história da festa da sogra do candidato que gostava de vestir a roupa da nora, etc. Aí exoneramos um dos primeiros, que pisaram na bola, e começamos a acomodar os últimos, e assim vamos celeremente na direção da nova eleição, quando todos perderão seus cargos, começando tudo novamente, conforme as alianças do segundo turno.

O Butiazeira bebeu um gole do Johnnie Violet, deixou o uísque escorregar entre os dentes, e concordou:

- Nem me fale. Com essas alianças esquisitas que aparecem por aí, temos de engolir sapos de todos os matizes, credos, ideologias e gosto musical. Eu às vezes acho que deveríamos fazer um novo referendo para emplacar a monarquia. Elegeríamos um novo rei, que ficaria no poder até morrer, ou abdicar em nome de algum correligionário. Os projetos sociais tornar-se-iam perenes. E o puxa-saquismo eleitoral iria para a banha. Já pensou, que maravilha? Poderíamos fechar o Congresso e criar uma corte ao nosso gosto...

- Fechar o Congresso?!!! Você enlouqueceu, Butiazeira? – Jacuzeira chegou a tremer de susto.

- Ora, para que precisaríamos de um congresso, em meio à monarquia?

Jacuzeira fez sinal ao garçom, para servir outra dose dupla. Bebeu-a de um trago, para dizer:

- Para fazermos a única coisa importante do regime democrático: a CPI! Como faríamos CPIs sem congressistas? Aliás, o que mais há para se fazer?

Butiazeira pensou, por um momento, enquanto passava o dedo pela carta de vinhos, parando no Romanée-Conti Petrus 1982.

- Pensando bem, você tem razão. Esta droga de democracia interrompe as CPIs, a cada quatro anos, logo quando vão decolar! Assim não dá para se mostrar serviço...

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