5.5.08

393 - Pomba! Pomba! Pomba!



Imagem: Desciclo.pedia.ws
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Pomba! Pomba! Pomba!

Por Paulo Heuser


O Desgraça não é mulher, é um homem, como denuncia apropriadamente o artigo definido masculino que precede seu codinome. O apelido mais apropriado seria Teskrassa, pois o Desgraça é um teuto-brasileiro que caprichou na gramática para perder-se na fonética – Fonêtika. Como todo homem afeito às letras, Desgraça fez carreira entre elas, tornando-se jornaleiro. Era apenas um menino, quando seus gritos foram ouvidos pela primeira vez, lá pela escadaria da Durante Caneleira:

- Pomba! Pomba! Pomba! – Em português: Bomba! Bomba! Bomba!

O pessoal do comércio da ladeira fazia troça. Diziam que o Desgraça caçava pombas. Contudo, todos reconheciam o esforço do menino para vender os jornais. Ele conseguia transformar fatos corriqueiros em manchetes bombásticas. O furto de uma galinha, ocorrido nos baixios da Várzea Funda, foi anunciado mais ou menos assim:

- Pomba! Pomba! Pomba! Krante enicma abaforra akrikultorres do berriferria! – Traduzindo: Bomba! Bomba! Bomba! Grande enigma apavora agricultores da periferia!

O Desgraça dava cor às manchetes. Antes das oito da matina já não havia mais o que vender. Atraídos pelo berreiro apocalíptico do Desgraça, os passantes e locais terminavam rapidamente com o estoque de jornais. O Seu Pedro, do açougue, comprava o jornal apenas para tentar encontrar o vínculo entre a manchete gritada e a escrita. Uma espécie de jogo de charadas. O distribuidor dos jornais começou a aumentar semanalmente a quantidade de jornais entregues ao Desgraça. Nunca houve devolução de exemplares não vendidos. Desgraça seria capaz de vender jornais do ano anterior, pois ninguém conseguiria resistir aos seus apelos bombásticos, extraordinários e sanguinolentos. A notícia do casamento da infanta Elena, filha do rei da Espanha, foi assim anunciada:

- Pomba! Pomba! Pomba! Filha te Dirrano da Tera do Inkississôm da Dorkemata, setussita por Tessembrekato! – Traduzindo: Bomba! Bomba! Bomba! Filha do tirano da terra da inquisição de Torquemada seduzida por desempregado.

Talvez a manchete mais famosa, interpretada pelo Desgraça, tenha sido o anúncio de um supositório que curaria hemorróidas:

- Pomba! Pomba! Pomba! Máfia das Remétios bratika Sotomia nos Drasseirros enssanquendados. – Traduzindo: Máfia dos remédios pratica sodomia nos traseiros ensangüentados!

Desgraça nunca aceitou os convites para assumir uma banca. Preferiu ficar parado na esquina, ao relento, enquanto berrava seus anúncios catastróficos. Berrou durante 60 anos, até que a voz o traiu. O Seu Pedro lhe comprou um megafone, na esperança de que os inícios das manhãs continuassem recheados com berros do Desgraça. O açougueiro tornou-se adicto da desgraça matinal berrada. O ruidoso jornaleiro deu lugar a outro, já que não conseguia mais berrar, nem com o auxílio do megafone. A queda nas vendas do jornal fez-se sentir de imediato.

Conta a lenda urbana que levaram o Desgraça para o centro do poder. Ele não grita mais. Apenas sussurra manchetes inimagináveis, nos ouvidos dos assessores de imprensa que têm a missão de abafar desgraças, com desgraças ainda maiores. Se há alguém que sabe fazer isso, esse alguém é o Desgraça.

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