385 - O Homem Xaxim
O Homem Xaxim
Por Paulo Heuser
As sextas-feiras são dias diferentes dos outros, o que, por si só, não chega a constituir uma constatação espantosa. É na sexta-feira que os tipos mais estranhos juntam-se a fauna reinante no Centro. Os tipos que passam por ali todos os dias deixam de chamar a atenção. Destacam-se tanto como os postes e os bancos da praça. Os da sexta-feira são diferentes, a começar pela periodicidade com que freqüentam o lugar. Não sei o que fazem no resto dos dias da semana.
Por Paulo Heuser
As sextas-feiras são dias diferentes dos outros, o que, por si só, não chega a constituir uma constatação espantosa. É na sexta-feira que os tipos mais estranhos juntam-se a fauna reinante no Centro. Os tipos que passam por ali todos os dias deixam de chamar a atenção. Destacam-se tanto como os postes e os bancos da praça. Os da sexta-feira são diferentes, a começar pela periodicidade com que freqüentam o lugar. Não sei o que fazem no resto dos dias da semana.
Na sexta-feira passada, surgiu um novo, pelo menos para mim. Era um sujeito com ares de quem apanhou muito da vida. Mal cuidado, ostentava uma barba escura muito cerrada, indo-lhe até a cercania dos olhos. Lembrava o Dr. Cornelius do Planeta dos Macacos – o filme. O homem chamava a atenção de todos os passantes porque aparentava esmurrar uma parede de salpique, coisa tremendamente estúpida para se fazer. Os passantes só não se viravam para olhar porque temiam que o pugilista interrompido mudasse de alvo.
Parei na banca de revistas, olhando disfarçadamente para o pugilista, enquanto fingia observar as revistas da semana. O jornaleiro percebeu o foco do meu olhar e disse:
- É o Homem Xaxim. Andava sumido, mas voltou.
Ele explicou-me que o apelido viera da barba grossa e espessa, que dava ares de xaxim ao infeliz. Realmente, ele se parecia com um tronco de xaxim ambulante, vestido no traje que algum dia fora preto. O jornaleiro continuou contando mais uma dessas lendas urbanas sobre pessoas que foram do sucesso à miséria. O Homem Xaxim era um outrora renomado consultor em vendas, que treinava as equipes das melhores empresas do País e do exterior. Seu nome verdadeiro era Abraão Weizenbierstube. O homem era graduado em Medicina, especializado em Anestesiologia, pós-graduado em Geologia, doutorado em Marketing e membro laureado do CBEP - Colégio Brasileiro de Empinadores de Pipas. O antes Abraão, agora Homem Xaxim, defendeu uma tese em Marketing que conquistou os meios acadêmicos. Segundo suas pesquisas, os agentes do mercado deveriam ressignificar os paradigmas dos modelos afetivos de relacionamento roll-in/roll-out, perseguindo a excelência de crossover do hipocampo trans-hemisférico lateral. Traduzindo, na linguagem daqueles que não empinam pipas, comprador e vendedor deveriam chegar a um acordo. Essa tese passou como um furacão sobre os mercados. Abraão aprofundou-se nas técnicas para sugestão assistida da vontade de comprar, por parte dos agentes fornecedores do mercado, e da sugestão assistida da vontade de fornecer, por parte dos agentes receptores do mercado. Ele estudou as técnicas de sugestão desenvolvidas pelo desconhecido Dr. Yuri Kalashnikov, desaparecido prematuramente durante um bombardeio no Afeganistão. A lenda urbana reza que o agora Homem Xaxim hipnotizou a si próprio, enquanto Dr. Abraão, produzindo uma dicotomia vendedor/comprador, na mesma pessoa, apoiada na falácia de falsa bifurcação pré-frontal. Desde lá, ele vem oscilando entre os dois papéis de mercado. Ou seja, tenta vender desesperadamente, para si mesmo, ora como vendedor, ora como comprador. Esse dilema leva à tentativa de autodestruição, contida no último instante pelo pólo oposto. Enquanto cresce a cinética vendedora, reduz-se o potencial comprador, e vice-versa. O Homem Xaxim nunca consegue vender para si próprio. Chega muito próximo da venda, mas nunca chega lá. Esse fenômeno já é conhecido, nos meios acadêmicos, como o Paradoxo Weizenbier-Xaxim.
O mistério estaria resolvido, se não fosse a pergunta que continuava no ar. O jornaleiro pareceu adivinhar novamente meus pensamentos:
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