A perda do Pantoja
A perda do Pantoja
Por Paulo Heuser
O Pantoja acordou com uma certeza bem presente: ninguém se recordaria daquela efeméride. Povo de memória curta. Os mais velhos já a haviam esquecido. Os mais novos estudaram o assunto nas aulas de história, dando-lhe a mesma importância que deram a revolução mexicana de 1910. A coisa entrou por um ouvido, foi lembrada durante a prova e saiu pelo outro. Os personagens daquele ato se vão, aos poucos, levados pela vida ou pela morte. Seus gritos se desvaneceram, abafados pelos discursos da nova era. Os que se vão com a vida são aqueles que ontem gritavam palavras de ordem contra os atos que hoje perpetram ou apoiam, produtos de uma dialética harmônica que os leva aos extremos, ora na esquerda, ora na direita, passando por breves momentos pelo centro.
Por Paulo Heuser
O Pantoja acordou com uma certeza bem presente: ninguém se recordaria daquela efeméride. Povo de memória curta. Os mais velhos já a haviam esquecido. Os mais novos estudaram o assunto nas aulas de história, dando-lhe a mesma importância que deram a revolução mexicana de 1910. A coisa entrou por um ouvido, foi lembrada durante a prova e saiu pelo outro. Os personagens daquele ato se vão, aos poucos, levados pela vida ou pela morte. Seus gritos se desvaneceram, abafados pelos discursos da nova era. Os que se vão com a vida são aqueles que ontem gritavam palavras de ordem contra os atos que hoje perpetram ou apoiam, produtos de uma dialética harmônica que os leva aos extremos, ora na esquerda, ora na direita, passando por breves momentos pelo centro.
O café da manhã em família foi igual ao de qualquer outra segunda-feira. Nem a mulher do Pantoja, nem seu três filhos fizeram qualquer menção à data. Nem sequer dentro das próprias trincheiras ela seria lembrada. Será que o Travassos, velho colega de caserna, não ligaria neste ano? Nada no jornal, nada no noticiário. Esquecimento, apenas. Ele ficou tentado a puxar o assunto, mas se conteve. Ficou apenas sentado à mesa, de xícara na mão, com o olhar perdido em algum momento do passado. Não pode deixar de observar que a história é de cada um, e cada um a constrói conforme fez ou deixou de fazer. Somente podem compartilhar essas memórias aqueles que também compartilharam a vivência dos episódios. Mesmo assim, a percepção da história também é pessoal. Quem foi herói ontem poderá vir a ser vilão amanhã, e vice-versa. É tudo questão da releitura histórica, que acaba esquecida em alguma tese que junta pó na prateleira do autor.
Pantoja fez parte da história. Não se furtou ao dever quando chamado. Ainda se lembrava dos movimentos que eclodiram pelo País, exigindo o retorno das instituições políticas àquilo que julgavam mais adequado, como o pluripartidarismo e a tal de democracia. Ele abanava a cabeça, em sinal de desaprovação, enquanto afirmava: - Eles ainda se arrependerão!
O tempo passou, a democracia retornou, e tudo acabou bem para aqueles que antes gritavam palavras de ordem. Na nova era democrática havia partidos políticos para qualquer gosto e bolso. Só o Pantoja parecia insatisfeito. Seu neto Pedrinho notou que o avô andava meio cabisbaixo. Tímido, puxou a bainha da calça do Pantoja e lhe perguntou:
- Vovô, por que você está tão triste?
- Por causa da Revolução de 64, Pedrinho. Ninguém mais se lembra dela!
- Ela era boa, Vovô?
- O povo não gostou, mas pelo menos hoje seria feriado!
Marcadores: 31 de março, democracia, pluripartidarismo, Revolução, Revolução de 64
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