19.3.08

A saga dos Yamamoto-Usongo

Gravura: Wikipedia
A saga dos Yamamoto-Usongo

Por Paulo Heuser


O nome do filme era para ser A saga dos Bolognese. Porém, o andamento do projeto modificou mais do que apenas o nome. O renomado cineasta italiano Amadeo Chiacchiere havia lido uma tradução para o italiano do romance homônimo, escrito pelo neto de um imigrante, que veio ao Brasil. O livro descrevia o sofrimento dos imigrantes italianos que embarcaram no navio Duca di Galliera, em Gênova, Ligúria, no final do Século XIX, até chegarem ao Rio de Janeiro. Sabedor da predileção dos brasileiros pelas novelas, e dos italianos pelas novelas brasileiras, Amadeo resolveu montar uma produção ítalo-brasileira, passando para a tela o que estava no livro.

O cineasta ficou encantado quando descobriu que havia incentivos à cultura que poderiam financiar parte da obra. Uma grande rede de televisão prontificou-se imediatamente para participar do projeto. O diretor de novelas Caio Durante Sena foi designado pela rede televisiva para assistir Amadeo, que começou a seleção do elenco logo após os trâmites burocrático-financeiros de praxe.

Amadeo imaginou um casal de italianos típicos do norte da Itália, Carlo e Palmira, como tantos que aportaram no Brasil, a procura de uma vida menos sofrida para si e para os quatro filhos que os acompanharam na longa e penosa viagem. Vieram movidos pela esperança de encontrar uma nova terra prometida. A seleção dos atores procurou um homem moreno e uma mulher loira, que representassem bem o biótipo dos imigrantes daquela época. Da mesma forma selecionariam os atores mirins, para o papel dos filhos. Amadeu escolheu o ator italiano Gianfrancesco Faggioli, para o papel de Carlo Bolognese, e a atriz brasileira Camila Moranga, com ascendência italiana por parte da mãe adotiva, para o papel de Palmira Bolognese, nascida Milanese. A primeira indicação de que não fora uma boa escolha partiu de Caio.

- Amadeo, acredito que sua escolha do elenco foi fantástica e profissional, porém há um pequeno problema técnico. O pessoal do financiamento está achando que o filme é discriminatório.

- Como discriminatório? Escolhi um ator italiano e uma atriz brasileira! Isto é discriminação?

- Não, tecnicamente. Porém, há os efeitos subjetivos da ausência de outras culturas em um filme patrocinado pelo órgão que defende a igualdade étnica.

- É um filme sobre um casal de italianos! Espera-se que eles tenham cara de italianos!

- Sim, hipoteticamente. Porém, em nome da integração, é recomendável que as outras culturas também sejam contempladas.

- Quais etnias?

- Veja, há o problema do índio. Não há nenhum índio no filme, pelo menos não na partida e na viagem.

- Como, se os índios estavam no Brasil?

- Sim, tecnicamente. Porém, seria interessante colocar pelo menos um ator ou uma atriz índia no filme.

De nada serviiram os argumentos que Amadeo utilizou. Sem índio, sem grana. Acabou colocando uma atriz índia no papel de filha do casal.

- Amadeo, há o problema da igualdade racial. Será necessário colocar um negro ou uma negra no elenco que virá a bordo.

- Mas como, não havia negros na Itália! De onde teriam vindo?

- Ora, o navio não fez escalas?

- Fez, em Tanger, no Marrocos, e em Las Palmas, nas Canárias. De onde teriam saído os negros?

- Bem, crie uma escala no Congo ou na Nigéria.

Assim, Palmira virou Usongo. Carlo viajaria com a esposa congolesa. Porém, os problemas ainda não haviam acabado. O financiador não aprovou o projeto porque outras etnias não haviam sido incluídas. A partir de então, Carlo, o italiano, viajou com a esposa Usongo, congolesa, o filho alemão Heinz, a filha polonesa Wyborowa, o pequeno russo Mikail e a menor de todos, a índia Maiara. Viajaria, pois alguém percebeu que faltava um japonês. Quem viajou, na verdade, foi o jovem Yamamoto, com sua esposa Usongo, e seus filhos Heinz, Wyborowa, Mikail e Maiara. Uma típica família italiana. Foi então que o Amadeo enfartou. Com razão, exigiu que pelo menos um dos personagens fosse italiano. Já nem reclamava mais do fato de o navio seguir pela rota Gênova, Tóquio, Odessa, Gdansk, Hamburgo, Tanger, Las Palmas, Kinshasa e Rio de Janeiro. Rota bastante inverossímil, porém a família era muito mais. Uma Torre de Babel a bordo de uma estranha Arca de Noé étnica. O financiador concordou com a inclusão do personagem italiano. Havia de ser algum papel destacado.

Caio Durante Sena resolveu o problema da inclusão do personagem italiano. Incluiu a Nonna Lucia, mãe do Yamamoto. E o filme finalmente foi rodado, apesar do protesto das colônias libanesa, coreana, chinesa, turca, grega e suíça. A cena mais emocionante é a da chegada ao Rio, quando avistam a baía. Yamamoto abraça a mãe, duas vezes maior do que ele, e grita: Mama, che bello! O filme acabou levando o prêmio de melhor absurdo estrangeiro, no Festival Dromedário de Ouro.


prheuser@gmail.com
www.pauloheuser.blogspot.com
www.sulmix.com.br

Marcadores: , , , ,