25.3.08

Meu primeiro Tigre

Meu primeiro Tigre

Por Paulo Heuser


Fala-se muito do nosso primeiro qualquer coisa. Talvez porque todo mundo lembra-se do seu primeiro relógio, seu primeiro celular, sua primeira mascote e seu primeiro carro. O primeiro é o que marca. Para muitos, o primeiro carro foi um fusca, para o Itamar, o último. O fusca foi o carro dos viajantes e dos religiosos, pois ultrapassava atoleiros e voçorocas como poucos. Também se apresentava muito resistente, pois havia pouco a se quebrar. O que lhe faltava em espaço para bagagem, lhe sobrava em versatilidade. Foi também o carro dos jovens, já que era o mais barato.

À medida que as estradas possibilitaram maiores velocidades, o fusca passou a perder terreno, pois sua tecnologia rústica começou a representar perigo para os seus ocupantes. Airbags, células de sobrevivência, barras de proteção, freios ABS e outros itens de segurança estavam ausentes no besouro. Os itens de conforto também contribuíram para o ocaso do saudoso carrinho.

Novas tecnologias e novas estradas demandaram o desenvolvimento dos itens de conforto, segurança, desempenho, economia e a preocupação com o ambiente. Os motores antigos bebiam e poluíam demais. Os mecânicos diziam que a qualidade de um carro podia ser medida pelo som produzido pelo fechar das portas. Os velhos mecânicos morreram com os fuscas, incapazes de lidar com a eletrônica embarcada dos novos carros, que não era compatível com martelos, pés-de-cabra e torqueses. Com o início do milênio vieram os carros multicombustível, que bebem o que estiver pela frente. No entanto, algo mudou, de alguns anos para cá.

A evolução dos carros não passou despercebida. Porém, poucos perceberam imediatamente a profunda alteração sofrida pelo ambiente no qual esses carros estão inseridos. As ruas e estradas voltaram à situação de anos atrás. As voçorocas invadiram as ruas e semearam buracos nas estradas - ou será o contrário? A segurança dos tripulantes melhorou muito em termos de preservação da vida em caso de acidentes. Contudo, os assaltos passaram a ser rotina para os motoristas. O sujeito pára o carro para comprar pão, e volta a pé, sem carro e sem pão. Há ainda o perigo representado pelas árvores que caem sobre os carros. Você dirá que a probabilidade de que isso aconteça é muito baixa, porém eu discordo, já que uma árvore caiu sobre o meu. O que falar dos pneus, então? Não resistem às falhas das novas ruas. Não podemos nos esquecer dos congestionamentos modernos, que deixam o motorista ouvindo músicas da moda durante horas, enquanto assiste ao cirque du soleil da vida real, com aqueles palhaços girando calotas nas esquinas. Os lavadores de pára-brisa tentam extorquir algum das mulheres desacompanhadas. Sacodem o carro delas violentamente, para depois pedirem, com cara de coitadinhos: - Tem um trocadinho – dez reais - pro pão, tia? Os saqueadores disputam a janela do carro com as promotoras de vendas e os vendedores de laranjas, bergamotas, cadeados, sofás, ou qualquer outra coisa.

Tudo isso me fez pensar muito na escolha do próximo carro. O problema pareceu insolúvel. Aparentemente não havia forma de conciliar todos os requisitos em apenas um carro. Até que eu assisti àquele documentário do History Channel. Lá estava ele, flamante e imponente. Não será meu primeiro carro, tampouco será zero. Porém, será meu primeiro Tigre. Um autêntico Königstiger II (Tigre) – leia-se tanque de guerra alemão da Segunda Guerra. Ele reúne todos os requisitos necessários, pelo menos nos aspectos segurança, conforto, durabilidade e desempenho, para que eu enfrente nossas ruas e estradas. Pode deixar um pouco a desejar no aspecto economia, pois seu motor V12 Maybach HL230 P30, desenvolvendo 700CV, não é exatamente econômico. O forte dele, mesmo, é o aspecto preocupação com o ambiente. Com o meu ambiente, pelo menos. Lá dentro estarei razoavelmente protegido contra os ladrões, a não ser os de sucata. Em último caso, sempre é possível apelar para o canhão. Como não há pára-brisa, não há o que limpar nos semáforos. Também não há janelas, espantando as promotoras do novo condomínio hiper-horizontal e os vendedores de sofás. Para o Tigre não há voçorocas ou buracos. Ele passa por cima deles. Dificilmente alguém dá uma cortada nele, nem mesmo os carros-fortes de transporte de valores. O amplo espaço interno permite o uso de um pequeno fogão e uma televisão, muito úteis nos congestionamentos. Até uma pequena biblioteca pode ser montada. O Tigre dá risadas quando as árvores caem sobre ele. Nem as marquises ele teme. Podem cair à vontade. Cintos de segurança e airbags são acessórios desnecessários no Tigre, pois ele não pára ao colidir, são os outros que se deformam. Na pior das hipóteses, ele passa por cima.
Em resumo, o Tigre tem tudo o que é necessário para um carro adaptado às nossas novas ruas e estradas. Talvez um pouco barulhento e fumarento. Com certeza, nunca me esquecerei do meu primeiro Tigre.



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1 Comments:

At quinta-feira, 27 março, 2008, Blogger José Elesbán said...

Ah. Pois é. Assuntos comuns... :))

 

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