Cusparada
Foto: www.clinteastwood.net
Cusparada
Por Paulo Heuser
O assunto é nojento, porém fazer o quê? O fato é que ando impressionado com o número de cusparadas que vejo no dia a dia. O pessoal vem caminhando e manda uma, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Outro dia li um artigo que mencionava os dez maiores problemas que impediam o crescimento de Curitiba, na segunda década do Século 20. O oitavo era a falta de escarradeiras nas ruas. Vejam só, alguém já se preocupava com isso na época. A China desde 2006 vem tentando eliminar o hábito de cuspir. Em muitos esportes coletivos o ato de cuspir faz parte da coisa. O atleta entra em campo e cospe feito dromedário.
Aqui, nas ruas, havia latas de lixo que poderiam ser utilizadas como escarradeiras. Contudo, foram substituídas por recipientes plásticos com a boca para o lado, exigindo que os eventuais escarradores também lancem o produto para o lado, numa demonstração de contorcionismo bucofacial. Coisa que Clint Eastwood e Lee Van Cleef tiravam de letra nos Spaghetti Westerns, produções cinematográficas italofrancobelgogermâncias rodadas nas regiões áridas da Itália e da Espanha, nos anos 60 do século passado. Ao som da trilha sonora de Ennio Morricone, eles se revezavam nas cusparadas tão certeiras quanto os disparos que cuspiam fogo das suas armas. Cuspidores como aqueles exibiam técnica apurada, completamente diferente dessa usada pelos modernos cuspidores urbanos.
Hoje se cospe displicentemente, sem pompa nem circunstância. Aqueles homens do passado sabiam o que faziam. Qualquer cusparada de respeito iniciava pelo fumo, mascado ou fumado. Mandava a boa técnica que o sujeito antes de qualquer coisa criasse a massa crítica - feita noventa por cento de alcatrão. A seguir, deveria remoê-la durante alguns instantes, enquanto analisava o alvo, realizando cálculos mentais de balística – elevação, azimute, direção do vento, essas coisas. Quem estivesse virado contra o vento estava em evidente desvantagem, exigindo o uso das técnicas de cuspida oblíqua ou lateral. Isso tudo enquanto avaliava o alvo do tiro do revólver. Só posso acreditar que aqueles sujeitos conseguiam usar os dois lados do cérebro ao mesmo tempo. É como se jogassem tênis com duas raquetes e duas bolas. Curiosamente, a cusparada geralmente precedia o tiro do revólver. Não entendo por que não tiravam proveito desse verdadeiro anúncio de que em seguida viria chumbo. Bastaria disparar primeiro e cuspir depois. Um bom cuspidor fazia caretas com desenvoltura. Fechava lentamente um dos olhos, enquanto preparava o lançamento.
Tudo mudou. Clint Eastwood elegeu-se prefeito da cidade de Carmel, na Califórnia, e não cuspiu mais em público. Lee Van Cleef foi-se em 1989, para cuspir em outras paragens. Restaram apenas esses cuspidores amadores que se apinham nas nossas ruas. Alguns atiram, sem cuspir.
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