19.4.08

387 - Teoria e prática do caos



Teoria e prática do caos

Por Paulo Heuser


Edward Lorenz (1917-2008) morreu, e sua morte não passou despercebida para alguns de nós. Eu constatei que o meteorologista norte-americano, conhecido como o pai da Teoria do Caos, havia morrido no dia 16 de abril, porque os jornais noticiaram, e porque minha caixa de entrada do e-mail recebeu diversas mensagens trazendo a notícia. Ao contrário do que somos levados a pensar, o pai da Teoria do Caos não habitava palácios em nenhuma capital. Era professor do MIT – Instituto de Tecnologia de Massashusset. Ele se imortalizou ao explicar por que pequenas alterações nos sistemas dinâmicos, como a atmosfera, podem provocar enormes, e até imprevisíveis, modificações no conjunto. Ou seja, ele conseguiu explicar matematicamente por que ninguém conseguia prever o tempo, e por que andávamos de guarda-chuva nos dias de sol. Lorenz apresentou um trabalho intitulado: "Previsibilidade: O bater de asas de uma borboleta no Brasil desencadeia um tornado no Texas?", em 1972, também conhecido como Efeito Borboleta, criando uma revolução em diversas ciências apoiadas nas equações diferenciais não-lineares (caóticas).

Hoje se sabe que a maior parte dos fenômenos naturais pertence aos sistemas caóticos. Não é necessário nenhum Lorenz para se verificar que um simples charuto, que nem aceso estava, estremeceu a maior potência econômica e militar do planeta. Pergunte ao Bill. Um aparentemente pequeno e inofensivo absorvente higiênico conseguiu escandalizar o maior reino da Grã-Bretanha. E a culpa não foi do absorvente, foi de alguém que queria transformar-se nele. E assim, anônimos e inexpressivos coadjuvantes alteram o destino de muitos, muitas vezes sem sequer serem percebidos.

Ninguém no Texas percebeu o bater das asas da borboleta brasileira, nem esta percebeu o tornado texano, apesar de manterem uma hipotética relação de causa e efeito. Tampouco alguém percebeu aquela minúscula mosca que se sentou sobre a azeitona do pastel do Zé. A mosca deixou uma bactéria sobre a azeitona, que foi misturada com a carne moída, já para lá de maturada aerobicamente. A bactéria adorou aquela cultura e resolveu casar consigo mesma, gerando duas bacteriazinhas, que também se sentiram muito felizes, e resolveram gerar outras quatro, e assim por diante. Quando a coisa assumiu proporções de explosão demográfica do Terceiro Mundo, o pastel já estava intestinado no Zé, que andava fazendo bico como motorista do candidato a presidente do CBV – Clube de Biriba da Várzea. Zé foi oito vezes às moitas, nos 34 quilômetros que separam a cidade da Várzea. Se o Zé não houvesse demorado tanto a chegar, a Dona Frida teria esperado, na cozinha do clube da Várzea, para preparar a salada de batatas durante o discurso do candidato. Ela queria reduzir o risco inerente à mistura dos ovos crus com as batatas. Porém, como o candidato se atrasou, graças às incursões sanitárias do Zé, ela teve que voltar para casa enquanto ainda havia luz natural. Chegado o candidato, inicio-se a sessão de tapas nas costas e degustação das bebidas típicas da região. Enquanto isso, o solidário e exaurido Zé se dispôs a preparar a maionese, usando a receita da vovó. Pena que a vovó não lhe ensinou a lavar bem as mãos antes de manusear alimentos, especialmente após haver ido às moitas a cada 4250 metros. Ele preparou a maionese artesanal com as próprias mãos, enquanto seguiam os intermináveis discursos, inclusive o do Padre Antão.

O pessoal nunca perdoou o candidato, pelo caos intestinal que se instalou na Várzea, naquela noite gorda de comício. Nem mesmo o Padre Antão o perdoou. Metade das 173 almas lá residentes purgou durante dois dias seguidos. O candidato dispensou o Zé, que deixou de freqüentar comícios, não se candidatando a vereador nas eleições municipais. Desiludido, sem mais o que fazer, Zé foi morar no Tibet, onde trabalhou para uma ONG que distribuía perucas para os monges. O destino quis que o Zé fosse transferido para a nova filial da ONG, no Butão Novo - na confluência da China, Tibet e Butão Velho -, onde se tornou amigo e confidente do sultão Tsensong Pogam. Influenciado pelas idéias políticas que o candidato (da Várzea) incutira no Zé, Pogam botou fogo na política regional, iniciando uma revolta que desceu montanhas, afetando o grande tigre chinês adormecido, vizinho de baixo que se julga dono do de cima.

Um novo trabalho publicado, agora na área da infectologia, poderia se intitular: “Previsibilidade: O defecar de uma mosca no Brasil desencadeia uma revolução no gigante adormecido da China?”. Tudo de acordo com a Teoria do Caos.

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