1.5.08

391 - Primeiro de Maio



Foto: Paulo Heuser
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Primeiro de maio

Paulo Heuser


Não me pergunte onde fica o Alegrete, nem o que eu fazia no Largo Glenio Peres, na manhã do Dia do Trabalho. Dia curioso. Deveria chamar-se Dia do Ócio, já que muito poucos trabalham neste dia. Alguns protestam contra alguma coisa. Como aquele grupo reunido defronte o Mercado Público. Empunhando bandeiras vermelhas, protestavam contra... contra... Bem, protestavam.

Além de protestarem, me atrapalhavam, pois eu tentava obter uma foto da Prefeitura Velha, sob determinado ângulo. E eles estavam na frente. Tentei chegar para cá, para lá, e sempre havia uma bandeira vermelha na frente da lente. Por que ninguém protesta com bandeiras verdes e amarelas? Acabei no meio daquela micro-revolução do Primeiro de Maio. Nada tão imponente como os desfiles do Primeiro de Maio da Praça Vermelha, em Moscou, mas estavam lá, agitando suas bandeiras de esquerda, enquanto uma manifestante esganiçava-se ao microfone. Não usava um quepe enorme, de aba enorme, como aqueles dos oficiais soviéticos. Era apenas uma jovem, como sua filha, usando tênis, jeans e um blusão de lã colorido. Os cachorros combinam com os donos, assim como os militantes combinam com suas bandeiras que, em última instância, fazem o papel do dono. Por isso, eu nunca esperaria que aquele sujeito de meia-idade, parcialmente calvo fizesse parte daquele comício. Não pela calva, já que Lênin ostentava uma reluzente. Era o conjunto todo, que destoava. Ele estava vestido de forma incompatível com a moda local. Roupas claras, porém formais, camisa para dentro da calça e um sapato de matar barata em canto de sala. Lembrava fisicamente o Richard Dreyfuss. Ele não protestava carregando um estandarte vermelho, como os demais.

O Improvável carregava uma garrafa de água mineral, dessas de meio litro, como se fosse um telefone móvel celular. A base da garrafa fazia as vezes de bocal, enquanto o gargalo servia de alto-falante. Sempre há alguém meio esquisito, para não dizer todos, em meio a essas manifestações. Porém, quando falam com uma garrafa, espera-se um maltrapilho que já deixou a razão para trás, faz muito. Aquele destoava duplamente, do comício e do estereotipo do doido de comício. O homem se parecia com um professor de Direito Tributário!

Eu tentava enquadrar o topo do prédio da Prefeitura no visor da câmera, enquanto o Improvável andava de um lado para outro. Minha mãe me ensinou que é feio encarar os outros, principalmente quando caminham de um lado para o outro falando com uma garrafa de água mineral sem gás. Tentei evitar, mas não foi possível. Nem para mim, nem para um jovem escondido sob uma boina de lã estilo Bob Marley. O jovem abordou o Improvável e lhe perguntou:

- Protestando contra o monopólio da telefonia?

O Improvável pareceu meio constrangido, respondendo-lhe:

- Humpf!

- Sei como é! Privatizaram a telefonia para aumentar a concorrência, forçando a expansão dos serviços e a baixa dos preços. Depois uns venderam para os outros até sobrarem apenas duas operadoras. Contra qual delas você está protestando?
O Improvável pareceu mais contrariado, e limitou-se ao:

- Humpff! – este com dois éfes.

- Essa eu não conheço – falou o jovem manifestante -, mas em breve teremos apenas uma, talvez essa tal de Humpff.

Como o Improvável não saía do meu ângulo de tiro, resolvi lhe pedir licença. Ele prontamente deu lugar, enquanto falava, com alguma dificuldade:

- Oh, e eculpe! Ou o ono quele ar ali, e ou om ma errível or e ente. Isseram-e ara olocar algo elado ontra a oca, omo essa arrafa e água elada.


N.T.: – Oh, me desculpe! Sou o dono daquele bar ali, e estou com uma terrível dor de dente. Disseram-me para colocar algo gelado contra a boca, como esta garrafa de água gelada.

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