388 - Formigas, formigas!
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Formigas, formigas!
Por Paulo Heuser
O que leva um sujeito ao hipermercado no sábado à tarde? Martelar os dedos, dói muito menos. O fato é que milhares de pessoas vão, e gostam! Parecem divertir-se em meio a toda aquela gente que anda como figurantes de filme de cinema catástrofe, aleatoriamente, em todas as direções. Muitos levam toda a família, do vovô à netinha. Multiplicam-se os avisos sonoros de que foram encontradas crianças de estatura pequena e idade indefinida. Os pais e os avós podem ficar tranqüilos, desde que consigam encontrar o corredor ZX-247, até as 23 horas, bem entendido.
A transformação dos hipermercados em centrais de serviços rende cenas incomuns. Uma mulher circula pelo corredor externo aos caixas em trajes dignos de uma noiva extraterrestre. Na cabeça, usa rolos de cabelos cobertos por papel alumínio, conferindo-lhe ares de telhado de estação de esqui. O corpo está coberto com uma capa plástica branca, que lembra aquelas dos botijões de gás de 13 kg. A criatura anda de um lado para outro, pelo corredor, tomando sorvete, enquanto grita instruções para alguém que se parece com um marido empurrando carrinho, do outro lado dos caixas.
Fui diagnosticado de TH - transtorno heptapolar, ainda não descrito na bibliografia médica. Numa das fases sintomáticas agudas, da hipotética patologia, tenho compulsão de ir ao hipermercado, no sábado à tarde. Passo pelas moças que me prometem o paraíso, caso eu assine o contrato do cartão MegaConsumo. Poderei pagar pelas compras, pelas quais não poderei pagar, em até 40 meses, com a primeira prestação só em 2010. A massa humana se desloca em todas direções. Surgem do chão, das paredes e do teto. Enquanto ecoa um aviso que pede para não consumirem alimentos no interior da loja, um casal escolhe maçãs enquanto come pêras. Duas pêras para cada maçã. Uma mulher bebe cerveja quente em lata. A demonstradora sorridente oferece Repugnitos – bolinhas amarelas de algo que cheira a suor de axila de elefante. – Assados, não fritos! – grita ela, repetitivamente. Pergunto-lhe sobre a origem do suposto alimento. Ela responde não saber, apenas teria sido paga para oferecer a coisa e afirmar que contém litotripsinas hepatoconvictas neurobacílicas vivas. Pergunto-lhe para que servem. Ela responde que não sabe, porém teriam dito no Fantástico que elas fariam bem, sem olhar para quem.
No setor das verduras estão divulgando ervilhas cúbicas pré-cozidas. Pergunto ao sujeito de uniforme sobre ervilhas frescas. Ele mostra-se enojado. A mesma cara de nojo faz a funcionária perguntada sobre a disponibilidade de massa caseira. Ela nunca ouviu falar de massa caseira. Há diversas marcas à venda, menos essa. Explico-lhe que é massa feita em pequenas quantidades, por método manual.
- Manual com as mãos? – pergunta-me ela, horrorizada.
- Sim, mistura de farinha e água, virada com as mãos.
- Que nojo! – grita ela, enquanto se afasta rapidamente.
O homem baixo e calvo, trajando um ancestral safári, observa tudo, enquanto diz:
- Formigas, formigas!
O escambo corre solto. A mulher que bebe cerveja quente encontra onde trocá-la por outra, agora gelada. Crianças trocam sucessivamente o pacote de bolachas pela barra de chocolate, pelo iogurte de prestígio, pelo ThunderWarrior, pelo... Dormem no carrinho, finalmente, para alívio dos pais. O casal que comia pêras, e pesava maçãs, descobre as uvas.
O homem baixo e calvo, saído sabe-se lá de onde, trajando um ancestral safári, observa tudo, enquanto diz:
- Formigas, formigas!
O alto-falante berra as ofertas relâmpago, válidas pelos próximos 48 segundos: o saco de sal de 20kg sai por apenas dois e oitenta, limitados a 18 sacos por cliente. O quilo da minhoca para jardim (para o que mais seria?) está em 17 reais, mais barato do que picanha! - ressalta a voz. Clientes desesperados procuram o corredor BF-029, do sal marinho, pois não perderão tal barbada. Qual será a próxima oferta? Vaporizadores de purgativos?
O homem baixo e calvo, saído sabe-se lá de onde, trajando um ancestral safári, observa tudo, enquanto diz:
- Formigas, formigas!
Sinto-me na obrigação de avisá-lo:
- São minhocas, não formigas.
- Não me refiro a isso! – diz ele, continuando – Refiro-me a esse pessoal enlouquecido, que age como formigas num formigueiro pisoteado!
- Neste caso, o senhor também não seria uma formiga, como as outras?
- Sou, porém sou a única consciente dessa realidade!
Dito isso, ele segue pelo corredor HJ-134, onde vendem o açúcar, e desaparece entre as frestas do piso.
Marcadores: consumo, formigas, hipermercado
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