3.5.08

392 - A torneira II



Yosemite Falls - Wikipedia
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A torneira II

Por Paulo Heuser


Esta é a segunda vez que escrevo sobre torneiras. Não nutro nenhum tipo de fixação doentia por torneiras de plástico de 3,70 reais – ou 10 X 0,37 -, mas elas causam tamanha lambança quando se quebram, que são dignas de nota. Não me recordo bem da torneira anterior, pois das dores do parto e das torneiras de plástico esquece-se logo.

A torneira objeto desta narrativa está instalada em um bebedouro que serve um pessoal de alta tecnologia, completamente diferenciado da média da população. São engenheiros, matemáticos, químicos e promotores de jazigos. O ambiente de alta tecnologia implica a manutenção de ambiente com umidade do ar controlada, um tanto abaixo daquela ideal para os seres humanos. Esses ambientes costumam ser tão hostis que nem mesmo as baratas os agüentam, fugindo pela primeira fresta disponível. Porém, esse pessoal altamente técnico perde-se em elucubrações mentais, de neurônios estratificados, e esquecem-se das condições de contorno. Não sabem bem o que é calor, frio, etc. Sabem de cor a equação do calor, porém não são capazes de senti-lo. O alarme vem quando o corpo sente a falta de água, e consegue interromper o cérebro, causando a sensação de sede. Quando dois ou mais gênios sentem sede, dirigem-se ao bebedouro, trocando soluções de problemas complexos. Talvez aqueles dois não tenham percebido logo que a torneira de plástico do lado direito havia apresentado defeito, emperrada na posição aberta. O gênio No. 1 olhou para os sapatos do gênio No. 2, e observou:

- Veja só, seus sapatos estão molhados!

- Ora, veja só, os seus também!

Passaram-se 12 minutos, e 12 litros d’água, até que constatassem algo formidável, que revolucionaria todo problema da torneira inoperante. Ambos gritaram, quase em uníssono:

- Parou! Não chove mais nos meus sapatos!

O gênio No. 3, que observava tudo em silêncio, matou a charada. Quem vê o problema de fora, enxerga primeiro a solução:

- Parou, porque a água da bombona terminou.

Os gênios de números 1 e 2 efetuaram alguns cálculos mentais - problemas de taxas relacionadas. Chegaram à conclusão de que, se trocassem a bombona, esta se esvaziaria em apenas 20 minutos. Necessitariam de 80 pessoas, que bebessem 250 ml cada uma, ou molhariam novamente os pés, caso voltassem a beber água. Que problema físico formidável! Os gênios de pés molhados convocaram uma reunião com outros gênios, de pés secos. As idéias floresceram por toda parte. Um deles sugeriu que virassem o bebedouro de ponta-cabeça. Os pés não se molhavam mais, porém, por alguma razão qualquer, a água não fluía para cima. O gênio 4, até então quieto, demonstrou alguns teoremas sobre microcapilaridade que poderiam ajudar. Descartaram também um sistema de cisterna. O uso de galochas foi igualmente desconsiderado.

A batida leve na porta interrompeu a reunião, exatamente no momento em que testavam um dispositivo que transferia o fluxo excedente, que deixava a torneira defeituosa, para outra bombona, colocada na altura do chão. Como a operação do sistema exigia que trocassem as bombonas de posição, a cada 20 minutos, convocaram um estagiário para operá-lo. Os gênios não têm forças para erguer 20 kg.

Alex entrou na sala, olhou para a engenhoca, ouviu as instruções para operação, e pediu um lápis. A seguir, quebrou um pedaço deste e enfiou-o no orifício da torneira defeituosa. O silêncio que se abateu sobre a platéia de gênios, quando a água deixou de escorrer, foi constrangedor. Alex quebrou o silêncio:

- Assim dá mais tempo para ir correndo até a loja de ferragens para comprar outra torneira.

Ele demonstrou que a simples pena pode ser mais eficiente do que milhões de idéias geniais. Sei, a moral desta história é uma porcaria, porém fez-se necessária alguma, mesmo que tão ridícula.

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