19.5.08

400 - O caviar do Onofre

Foto: Wikipedia
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O caviar do Onofre

Por Paulo Heuser


Poucos têm dúvida de que houve aumento de consumo por parte das classes menos favorecidas da população. A corrida às lojas faz a alegria de todos, fornecedores, intermediários e consumidores. Um bom exemplo é o Seu Onofre, artífice de manutenção do condomínio do Zé. Ele estava feliz da vida, por realizar metade do sonho de vida da Dona Maria, na comemoração das Bodas de Ouro. Dona Maria sonhava com o Clark Gable lhe servindo caviar. Sem Clark, mas com Onofre, Dona Maria comeria o tão sonhado caviar, graças à queda do dólar, do aumento do mínimo e da safra de milho.

O Seu Onofre sempre foi um minimalista. Causa espanto a quantidade ínfima de material que o homem utiliza nas suas manutenções. Um exemplo marcante foi a instalação do relógio-ponto dos funcionários do condomínio. Ele conseguiu afixar, em tese, um relógio-ponto de 10kg à parede revestida com grossa camada de massa corrida, utilizando quatro míseras buchas plásticas de 4mm. O homem odiava o desperdício de material. Menos minimalista foi o inchaço dos pés do João, um dos porteiros, ao inaugurar o relógio-ponto. Bastou que ele enfiasse o cartão-ponto no relógio para que este viesse abaixo. O culpado pelo acidente foi do síndico, que se esqueceu de avisar ao Seu Onofre da possibilidade de que alguém tocasse no equipamento. Se soubesse disso, Seu Onofre teria usado buchas de 5mm.

O minimalismo do Seu Onofre revelou-se também na compra do tão sonhado caviar. Mais afeito ao feijão, ele desconhecia a procedência do acepipe. Por isso, foi se informar com quem entende do assunto, quando este se trata de importados: o camelô da praça. O camelô ouviu, pensou um tanto, e falou, em tom de intimidade:

- O senhor me conhece há muito tempo, Seu Onofre. Eu não tentaria enganá-lo, vendendo-lhe o caviar fajuto que o pessoal anda distribuindo por aí. Hoje estamos em falta do bom, mas devemos recebê-lo amanhã.

- Amanhã, com certeza? – perguntou Seu Onofre.

- Com certeza! – respondeu-lhe o confiável e tradicional fornecedor das pilhas das conceituadas marcas Durável e Raio-de-Vácuo.

Na manhã seguinte, Seu Onofre comprou 12 pilhas Durável, suficientes para ouvir o jogo de domingo, e o tão sonhado caviar. Um caviar raro e incomum.

- Caviar é branco, assim?

- Este é, meu amigo. Porque este é do bom. Tem gente por aí que tenta empurrar um caviar preto, ou pior, vermelho. São caviares velhos, maduros demais. Este não, Este é o albino, o melhor.

- É grande, né? Pensei que fosse pequenino...

- Pequenino é o outro, o fajuto. Aquele pequenino fede a peixe, coisa muito nojenta. O senhor daria caviar cheirando a peixe para a sua mulher?

- Credo, nunca! De peixe, só lambari frito, na Sexta-feira Santa.

O Seu Onofre cheirou o caviar, sorrindo em aprovação. Aquele não cheirava a peixe. Ainda bem que ele apelou a quem entendia da coisa.

- Bem, quanto custa?

- Veja, Seu Onofre. – o camelô olhou para os lados, desconfiado. – Só não deixe que os outros por aí descubram que estou lhe fazendo por trinta reais o quilo!

- Trinta reais? Isso é mais caro que picanha de açougue de madame!

- Mas ainda é muito mais barato do que aquela coisa preta, mirradinha, fedendo a peixe, que os outros vendem. Aquilo lá vem do Irã, e não agüenta a viagem. Murcha e fede. Este aqui é nacional, coisa garantida.

- Tá bom, levarei um quilo. Deve chegar para dois, não é?

- Chega, Seu Onofre, chega. E depois, isto é uma iguaria, não dá para se embuchar de uma só vez!

- Ah, tem de comer de pouquinho? E para beber? Ouvi falar que a bebida tem de combinar...

- O pessoal que come aquele fajuto, toma vodka. Mas este pede uma pinga, da boa. A gente tem, se for o caso...

O pessoal que come aquele caviar mirradinho, preto ou vermelho, fedendo a peixe, nunca recomendaria que fosse acompanhado pelo vinho tinto de mesa. Porém, nada é melhor para acompanhar o verdadeiro, albino e graúdo sagu que o Seu Onofre levou.



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