407 - O Paranóico
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O Paranóico
Por Paulo Heuser
Não sobrará pedra sobre pedra, no dia do Juízo Final. Faltará mármore no Inferno, para tanta gente arder. Este seria um discurso de púlpito, antigamente. O fato é que os sermões mudaram com o tempo. Naquele tempo, em que os fiéis iam ao templo, o pregador subia ao púlpito e despejava a lava da culpa sobre eles, que saíam do templo rastejando em meio às cinzas do arrependimento. Até a esquina, bem entendido. Afinal, era domingo, dia de zerar as culpas e partir para outra. Havia dia e hora para ouvirem a reprimenda. Todos os presentes ficavam de olho no pregador, tentando identificar se o olhar dele se fixava em alguém, enquanto falava. Sabe como é, a carapuça sempre poderia servir.
Por Paulo Heuser
Não sobrará pedra sobre pedra, no dia do Juízo Final. Faltará mármore no Inferno, para tanta gente arder. Este seria um discurso de púlpito, antigamente. O fato é que os sermões mudaram com o tempo. Naquele tempo, em que os fiéis iam ao templo, o pregador subia ao púlpito e despejava a lava da culpa sobre eles, que saíam do templo rastejando em meio às cinzas do arrependimento. Até a esquina, bem entendido. Afinal, era domingo, dia de zerar as culpas e partir para outra. Havia dia e hora para ouvirem a reprimenda. Todos os presentes ficavam de olho no pregador, tentando identificar se o olhar dele se fixava em alguém, enquanto falava. Sabe como é, a carapuça sempre poderia servir.
O pregador de púlpito vem dando lugar ao pregador televisivo, que anda de um lado para o outro, enquanto prega. O olho no olho deu lugar ao olho na câmera. Talvez por isso haja mais referencias a um você, especificamente, que fez besteira ou deixou de fazer virtude. Aí reside a grande diferença entre o pregador de púlpito, com público reduzido, e o pregador de massa, que não vê seus seguidores. Para o do púlpito, basta o olhar. Para o das massas, há necessidade de personificar quem ele não vê. É você, dirá, mesmo sem nunca tê-lo visto.
Para o Paranóico, tanto faz. Ele sempre é o culpado, de púlpito ou de massa. O pregador sempre estará olhando para o Paranóico, e falando para ele. Ainda não se livrou da culpa pela expulsão do Paraíso. Sequer conheceu Eva, mas acredita que Adão pôs a culpa nele. Todo mundo crê que Caim matou Abel. Menos o Paranóico. Ele acredita que foi um agente da NSA, que teria envolvido Caim, plantando falsas evidências. Caim, por sua vez, teria dedurado o Paranóico para o pregador. O Paranóico toma o café da manhã enquanto o pregador olha para a câmera e grita: “- Você matou Abel!”. Pronto, o domingo do Paranóico azeda.
O Paranóico não almoça fora, pois crê que o governo, leia-se NSA, coloca substâncias alienantes da realidade na comida dos restaurantes. Deu no Arquivo X. Ele come somente determinados produtos orgânicos, que ficariam livres da terrível substância hefedrexedrina cis-halobárica, depois de convenientemente manipulados. Há somente dois alimentos nessa classe, a crucífera couve-flor e o não-crucífero ovo. Ambos devem ser cozidos levemente em água fervente, evidentemente, e embalados num pote hermético de plástico, cuidando-se para manter algum ar no interior da embalagem. O tempo de maturação necessário à destruição total da hefedrexedrina cis-halobárica é de quatro dias, quando a substância alienadora se transforma em um gás com forte e marcante cheiro de pum. O alimento estará próprio para o consumo. Consumo, apenas. Humano, seria exagero.
O Paranóico lê com satisfação as manchetes do dia. Pudera, o que tem saído nos jornais, sobre os infindáveis escândalos, fede mais do que o subproduto da conversão da hefedrexedrina cis-halobárica em gás de pum. Fedendo tanto, só pode ser orgânico. Só pode ser bom!
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