7.6.08

409 - A grande certeza


Foto: Paulo Heuser
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A grande certeza

Por Paulo Heuser


A vida é cheia de dúvidas. O que virá após aquela curva, depois daquela esquina? Alguém ousaria um palpite? O Zé ousa, e arrisca. Os mais formidáveis cientistas do mundo ainda não têm certeza sobre o destino do Universo. Filosofam, conjeturam, observam, fazem cálculos, que nem eles mesmos conseguem entender, experimentam, mas não conseguem chegar a um veredito unânime, nem próximo disso. Seremos espalhados em todas as direções, eternizados num universo frio e escuro? Ou seremos comprimidos novamente na meleca primordial que levará ao Big Bang II, o Retorno? Alguém poderá dizer, um dia, que aquele átomo já foi seu, em outro Bang.

O Zé não é cientista. Porém, sabe exatamente o que está depois da esquina. O caminhão da verdura, estacionado em local proibido – aqueles com a placa do E coberto pelo X. Só há uma certeza no Universo. O caminhão da verdura estará lá, atrapalhando a odisséia do Zé. É isso, ida ao trabalho virou odisséia! O Zé chama aquela certeza de A Grande Certeza. Se ele consultasse o Oráculo de Delfos, sobre a única verdade universal, a resposta à pergunta seria apenas uma: o caminhão da verdura estará lá. Ele chega às sete e sai às oito. Faça chuva, faça sol, aquele caminhão estará lá, de segunda à sexta.

Aquele negócio abalou o sistema nervoso do Zé. Ele passou a sonhar com caixas de pepinos e rabanetes que caíam sobre ele. Um dia, perdeu as estribeiras e soltou o verbo. A resposta que obteve foi: “- Estou trabalhando!”. Acreditando que esta justificativa não era suficiente, Zé ligou para as autoridades competentes. Descobriu que só atendiam no horário comercial. Fora dele, apenas catástrofes, e caminhões de pepinos e rabanetes não se incluíam nessa classe. Isto explicava porque ele nunca vira um agente de trânsito abordando o caminhão da verdura estacionado em local proibido. A proibição virava as 24 horas, a fiscalização, não.

O Zé acabou consultando um profissional da saúde que trata das complexidades da mente humana - um médico de loucos, para não usar eufemismos. O Doutor Horta Rômbica é uma das maiores autoridades nas patologias mentais geradas pelo estresse do trânsito. Para manter prudente distância das patologias dos clientes, ele mora no consultório e chama telepizza. De outra forma, acabaria paciente de si mesmo.

O Doutor Horta ouviu pacientemente a narrativa da epopéia diária do Zé, que se debulhou em choro compulsivo. Falar do problema era uma experiência inédita. Até então, Zé sofrera sozinho, em silêncio. O Doutor Horta manteve aquele ar sereno de salvador do mundo, quando finalmente falou:

- Entendo. Por que você não muda seu itinerário até o trabalho? Pode parecer uma solução simplista, mas evitará essa tensão diária. Por vezes, nos envolvemos tanto com os problemas, que não enxergamos soluções simples.

- Eu já tentei, Doutor, mas as alternativas são piores. – Zé ainda se lembrava dos ônibus que transformaram o carro dele num cheddar processado de big mac.

- Então, deverá enfrentar o problema, procurando outras soluções. Já pensou em apelar para a imprensa, para o governo? – parecia tudo tão simples, quando dito pelo Doutor Horta.

Aquela consulta deu novo ânimo ao Zé. Ele mandou e-mails para Deus, o governo e a imprensa. Dois dias depois, viu a foto do caminhão da verdura estampada no jornal. Magna vendetta! Finalmente, algo aconteceria. Aconteceu, exatamente nada. A denúncia da reportagem foi soterrada pelos argumentos dos subjetivistas que entendiam que uma simples proibição de estacionamento não poderia impedir um cidadão de trabalhar. Mais objetivista, Zé insistiu junto às autoridades. Ele foi recebido por diversos assessores, secretários e lobistas. Novamente, nada aconteceu. O caminhão da verdura parecia colado àquele lugar.

Zé já havia quase desistido de desgrudar o caminhão de lá, quando foi surpreendido com um telefonema do gabinete de um parlamentar da oposição. Ele queria ouvir a triste história do Zé. Boatos sobre a conivência do governo com contrabandistas de rabanetes bolivianos espalharam-se rapidamente, chegando às comissões de inquérito. Ante a ameaça da convocação do embaixador boliviano para depor, o governo finalmente tomou uma atitude. Retiraram a placa.

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