12.6.08

412 - Bebês e vovós



Foto: Wikipedia
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Bebês e vovós

Por Paulo Heuser


Que a educação anda em baixa, todo mundo sabe. Refiro-me à educação, aquela que se aprende em casa. Hoje confundem a educação com o ensino, aquele que deveria ser suprido pelo estado. As famílias tendem a entender que o estado deve educar seus filhos, enquanto o estado entende que as famílias devem instruí-los. Graças a isso, aqueles pequenos gestos de boas maneiras tendem a desaparecer. Cada vez menos gente cede seu lugar às mulheres ou às pessoas idosas, no transporte coletivo.

Em meio a essa falência comportamental, fui surpreendido pela prática adotada por um grande magazine âncora de shopping. Em todos os caixas, nos quais invariavelmente há filas, o atendimento prioritário é prestado aos idosos, às gestantes e às mulheres (homens?) com crianças de colo. Aí reside a novidade. Nas demais lojas, há apenas um ou dois caixas de atendimento prioritário. Naquela, são todos. Maravilha. As vovós e as mamães (papais?) não sofrem. Quem já ficou numa fila com uma criança no colo sabe do sofrimento que isto pode causar. A paciência deles é do tamanho da idade.

Entrei na fila do caixa, após escolher a mercadoria, e logo pude constatar que o esquema realmente funciona. Um jovem casal, acompanhado pela vovó, passou na minha frente. Justo e perfeito, pois o atendimento aos idosos deve ser preferencial. O apresentou terminal problema, obrigando-me a procurar outro caixa. Só havia uma pessoa na minha frente. Havia, pois chegou a moça com o carrinho de bebê. A operadora do caixa gentilmente explicou sobre a prioridade de quem se fazia acompanhado de criança de colo. A criança não estava no colo, mas tudo bem, pois efetivamente era uma criança de colo. Ser e estar, qual é a diferença, afinal? Minha vez seria a próxima. Seria, pois apareceu outra vovó. Regras são regras, justiça é justiça. Por isso, não reclamei quando apareceu outra criança de colo no carrinho, logo após a nova vovó. Paciência, quem mandou eu não ser ainda um ancião?

Da terra nascem as vovós, pelo menos naquela loja. Elas vinham de toda parte, do meio dos provadores, das araras, das prateleiras, do chão e do teto. Vi algumas saindo de um espelho! Alice envelheceu! Meu primeiro lugar na fila se transformou no segundo, eternamente. Só havia uma certeza. Se o próximo cliente não fosse uma vovó, seria um netinho dela, no carrinho de bebê. Pensei em protestar, mas soaria muito mal. Afinal, eu não era ancião, nem bebê de colo. Cheguei a desconfiar de que havia alguém alugando vovós e bebês, do lado de fora da loja, para quem quisesse atendimento preferencial.

Temi pelo fim da humanidade, pois havia nove vovós para cada netinho. Assim, não há pirâmide populacional que agüente. Lá pelas tantas, comecei a sentir vontade de ir ao toalete. Perguntei à operadora do caixa sobre a possibilidade de atendimento prioritário a quem estivesse apertado. Ela me disse que não. Perguntei-lhe sobre a prioridade de atendimento aos enfermos. Ela me respondeu que dependia da enfermidade. Comuniquei-lhe que eu molharia o chão da loja, caso não fosse atendido. Meio a contragosto, ela me atendeu entre duas vovós.

Quando sai do shopping, deparei-me com aqueles ônibus de excursão, fretados pela Sociedade das Damas da Terceira Idade de Trás do Cafundó. Vieram às compras.


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