29.6.08

419 - Tolerância Zero!



Foto: Paulo Heuser
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Tolerância Zero!

Por Paulo Heuser

Hoje me joguei cedo, na estrada, louco para provar meu primeiro bafômetro. Subi a Serra. Eu esperava dar a primeira baforada lá pela 116. Porém, não fui feliz. Será que eles não esperavam por alguém, tão cedo? Segui por Portão, Caí, e todas aquelas lombadas eletrônicas que lembram totens de jogos de boteco. Quando minhas filhas eram pequenas, ao verem as lombadas, gritavam: “Pai, quantos pontos fizemos?”.

Nada de bafômetros, morro acima. Lá em cima, quem saberia? Ninguém, pelo visto. Pedi informações em pelo menos meia dúzia de postos de gasolina. Ninguém sabia onde havia um bafômetro. O meio-dia passou, a fome bateu forte. Resolvi almoçar onde certamente haveria um bafômetro, perto do Vale dos Vinhedos.

O garçom trouxe um pão italiano de fazer qualquer estômago chorar de felicidade. Pedi pela água mineral, com gás, para não parecer básico demais. Na mesa ao lado, uma senhora de sotaque castelhano sorvia longos goles de uma caipiriña enorme. Seu acompanhante, um homem com os cabelos grisalhos no estilo motoqueiro sem capacete, pedia meia garrafa de vinho. E eu estava na base de pão e água. Não fui o único a evitar o vinho, pois noutra mesa, com pelo menos 12 pessoas, todos bebiam refrigerantes. Todas aquelas 12 crianças. Veio a sopa, o galeto e o spaghetti ai funghi, com água. H2O e CO2. Recusei o sagu de vinho, pedi cafezinho, a conta e um bafômetro. O garçom chamou o proprietário, que se debulhou em desculpas, pois não havia bafômetros – vi è una mancanza di bafometri! – ele gritava, com forte sotaque de tradutor do Google, gesticulando muito. Sugeriu que eu tentasse mais adiante, nas tendas de beira de estrada. O homem da meia garrafa pediu outra. Beberia menos, assim? Não beberia uma garrafa de vinho, beberia duas meias. Enfrentaria dois meios bafômetros? Aceitei o café. Quando a conta chegou, o homem das duas meias garrafas pediu outra meia, para a viagem. Já era o homem da garrafa e meia. Seguiu viagem.

Desci da Serra, procurando por algum anúncio que levasse aos bafômetros. Nada, apenas batatas da safra e morangos do próximo inverno. Parei ao lado de uma tenda e perguntei à senhora que vendia morangos orgânicos sobre a existência de algum bafômetro na região. Relutante, ela desconversou. Recomendou-me que procurasse a imprensa. Coincidência, ou não, naquele momento parou a caminhonete da equipe de reportagem, conferindo o preço da batata da safra. Fariam alguma matéria sobre a pressão da batata nos índices inflacionários. Abordei aquele que se parecia com um jornalista:

- Boa tarde, você saberia onde eu poderia encontrar um bafômetro?

Ele coçou a orelha, com a caneta, antes de responder:

- Bem, depende.

- Depende do quê?

- Não há mais muitas vagas, depende de onde você se encaixa...

- Encaixar, como?

- Eh, sabe como é, nós temos cotas para os noticiários. Já temos operários, estudantes, chefes insuspeitos de família, dondocas, executivos e advogados. No momento, procuramos desesperadamente por uma freira embriagada dirigindo uma Kombi lotada com órfãos afegãos. Dá capa.

- Comunzão, assim, nada feito?

- Não dá. A cota já está preenchida.

Cheguei em casa, sem bafômetro. Contudo, venci a prova. Sobrevivi. No noticiário, nada de freiras embriagadas dirigindo Kombis cheias de órfãos afegãos.

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