20.6.08

415 - A parábola do mestre


Foto: Paulo Heuser
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A parábola do mestre

Por Paulo Heuser


Perguntaram-me sobre a razão que me leva a escrever parábolas. Fiquei meio confuso, a princípio. Nunca gostei muito das figuras cônicas. E uma parábola é, por definição, uma seção cônica gerada pela interseção de uma superfície cônica de segundo grau e um plano paralelo a uma linha geradora do cone (chamada de geratriz). Dá nojo, não dá? Pois, pego de surpresa, não soube o que responder, naquele momento, senão que o mundo não pode ser feito apenas de hipérboles. Faz algum sentido, e deixa o interlocutor confuso. Depois, mais calmo, lembrei-me do outro significado da palavra parábola. Ora, os livros ancestrais, como a Bíblia, o Corão, Mahabharata, Ramayana e o Torá, foram escritos na forma de coletâneas de parábolas.

Vejamos, então, por que escrevo parábolas? Pela mesma razão que levou alguém a escrever o livro de Abacuque em forma de parábola. Sei tanto quanto ele. Talvez tenha algo a ver com a fixação da idéia por parte de quem lê. Os personagens das parábolas podem ser mais bem aceitos do que aqueles que escrevem. Deixamos de transmitir uma idéia e passamos a narrar uma história enfeitada, de modo a melhorar a fixação da idéia central.

Muito do que se escreve hoje, está em forma de parábola, cujo personagem é algum tipo de mestre oriental, geralmente indiano ou chinês. São figuras notáveis, dos povos altamente espiritualizados. Quem escreve, transfere a eventual culpa para o mestre, e recolhe as glórias. Se der errado, a culpa seria do mestre. Como o mestre é uma semidivindade insofismável, a culpa é de quem lê. Leu errado, dirão.

Não tenho muita experiência com parábolas de mestres. Imagino uma do Mestre Him Ha Laya, que só morreria no dia em que houvesse visto tudo deste mundo. Quando deixasse de se surpreender, partiria para um campo celestial repleto de outras semidivindades, que partiriam ao plano superior quando deixassem de se surpreender, etc e tal. Pena que o Mestre Him tenha encalhado por aqui. O problema não é ele, é este mundo, na verdade. Quando o Mestre achava que finalmente seguiria o destino dos seus antecessores, ele leu aquela dica sobre o corte de cebolas, sem choro. Apareceu na seção de culinária do jornal. O chef de cozinha sugeria chupar a cabeça de um palito de fósforo, entre os dentes, enquanto se cortam cebolas. Evitaria o choro. Ele deixou muito claro que não se deveria chupar o fósforo aceso. Outra maneira, de evitar o choro, seria a colocação de um pedaço de pão na ponta da faca. O Mestre se surpreendeu, e ficou. Poderia ter partido no dia seguinte, se não houvessem depenado o avião da Força Aérea Brasileira, utilizado pelo Presidente da Câmara, em visita a Itapeva, no interior paulista. O Mestre surpreendeu-se muito, e ficou.

Depois, apareceram os pés canadenses. Para quem não acompanhou as notícias, têm aparecido pés humanos na área ao redor da Ilha de Vancouver, na Colúmbia Britânica canadense. Foram seis, até agora. Quatro direitos, um esquerdo e um falso. Não dá para se formar um padrão com isso, mas, sem dúvida, é um grande mistério. Os grandes mistérios sempre surpreendem, inclusive os Mestres. Assim, Mestre Him vai ficando, cada vez mais surpreendido. As explicações para o aparecimento dos pés também são surpreendentes, como aquela do tsunami que teria trazido pés desde o outro lado do Oceano Pacífico. Como alguns vestiam tênis de procedência oriental, por que não? Sei, é duro de engolir. Mestre Him também acha. Ele já se considera um imortal. Não sairá daqui. E ele ainda nem viu as manchetes de amanhã. Quais serão? Não sei, só sei que manterão o Mestre Him por aqui.

As parábolas costumam carregar uma forte lição moral. Esta, no entanto, é definitivamente imoral.

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