14.7.08

425 - Sanitários turcos



Foto: Wikipedia


Sanitários turcos

Por Paulo Heuser


Não gosto das continuações numeradas. Vi o anúncio do lançamento do filme Meu Primeiro Amor 2. Sendo dois, o filme deveria se chamar Meu Segundo Amor. Não há como ser duas vezes o primeiro. Assim, recusei-me a escrever Liminariana 2. Para quem não leu o um, que por sinal não foi numerado, por ser único naquela época, Liminariana tratava da saúde pública, na república homônima, uma democracia localizada ao sul do Pólo Norte, classificada pelo G8 como “potência emergente fortemente lastreada”, já que vem tentando emergir há muito tempo. É de lá que os sistemas públicos de saúde, de diversos países emergentes, importam o poderoso placebo farmacológico Exkrement II, ao custo de US$ 700 por comprimido, apoiados em liminares obtidas pelos advogados dos pacientes impacientes.

Liminariana voltou às manchetes porque a Milícia Liminariana – espécie de FBI local – começou a funcionar. Após investigarem muitos membros do Parlamento Liminariano, blindados pelo manto legislativo, descobriram que era muito mais fácil prenderem os grandes empresários envolvidos nos processos heterodoxos do relacionamento público-privado, ou seja, nas maracutaias. As prisões foram fartamente noticiadas, com imagens dos poderosos algemados. A celeridade cautelar fez com que as carceragens da Milícia Liminariana se parecessem com casas de encontros, pelo entra e sai das celebridades heterodoxas. A vantagem do prende e solta é a dupla, tripla ou até quádrupla satisfação sentida pelos cidadãos, ao verem os tubarões, antes intocáveis, serem presos, mesmo que temporariamente. Para os advogados, cada prende e solta representa renda adicional. Liminariana viveu dias de euforia, pois a população começou a acreditar na existência de justiça, mesmo que gaguejante. Os heterodoxos não gostaram. O uso de algemas comuns causou muita indignação. Serem presos em segredo, sem algemas, era uma coisa. Porém, aparecerem algemados, em todos os noticiários, era algo completamente diferente. Contudo, deixarem todo mundo saber que utilizariam sanitários turcos – buracos no chão -, foi a suprema humilhação. O cara andava de Mercedes, tinha iate em Mônaco e casa em Portofino, mas ficava de cócoras para fazer aquilo na cela. E, o que é pior, com todo mundo sabendo disso. Mesmo que batesse a maior prisão de ventre no sujeito, ninguém acreditaria na história. Um francês talvez não se importasse tanto. Para um liminariano, no entanto, era demais. O prende e solta provocou forte demanda nos serviços jurídicos de Liminária, a capital de Liminariana. A falta de planejamento jurídico começou a cobrar seu preço. A Milícia teimou em não divulgar o calendário das suas ações, deixando os heterodoxos em polvorosa.

Os advogados dos heterodoxos tentaram angariar alguma simpatia, por parte dos cidadãos comuns, deixando passar a idéia de que eles seriam os próximos a sentirem os rigores da lei. Eles seriam os próximos acocorados no sanitário turco. Na verdade, os advogados de Liminariana estavam lançando as sementes de um novo serviço, que, graças aos céus, ainda não foi lançado por aqui: o plano jurídico Prisão Feliz. Dividido em quatro categorias: Básico, Prata, Ouro e Platina, o Prisão Feliz é o equivalente jurídico do plano de saúde. Até mesmo o plano Básico já garante a prisão em cela com vaso sanitário, desses sobre os quais se pode sentar. E todo mundo saberá disso.

Marcadores: , , , , , , ,