428 - Bonjour, monsieur!
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Bonjour, monsieur!
Por Paulo Heuser
Aquele telefone da Sibéria tocou. Ele ficava mudo, horas, dias, semanas e meses. Porém, tocou. Eu nem sabia que ele estava funcionando, pois se calara há muito tempo. Repentinamente, tocou. Eu não percebi logo o toque, pois não estava acostumado com ele. Pensei tratar-se de telefone de vizinho. Mas não, era o meu. Demorei a encontrá-lo. Daí que perdi a chamada. Era do estrangeiro. Fiquei muito preocupado, pois tenho parente no estrangeiro. Seriam más notícias? Para ligarem para aquele número, que nem mesmo eu sei, boa coisa não seria. Perdida a ligação, como saberia?
Liguei para minha parenta. Não havia sido ela. Quem seria? Há golpe do falso seqüestro em outros países, ou é um privilégio daqui? Ele tocou, novamente. Corri para atender. Tarde demais.
Ele tocou às cinco da matina. Cheguei tarde, novamente. Quem raios ligaria às cinco da matina, se não fosse algo realmente importante? Permaneci em semivigília, esperando que o telefone da Sibéria tocasse novamente. Às sete horas, me rendi. Babei direto. A posição de vigília deu lugar à cabeça pendente, escorrendo baba. Acordei a tempo. O estranho telefone tocava novamente. Cheguei a tempo de atendê-lo. Ansioso, gritei alô. Um alô que não conseguia disfarçar a ansiedade. Quem seria, o que seria, por que seria? Só consegui ouvir o “- Bonjour, monsieur”, nada mais. Após, veio o tom de queda da ligação. França, Bélgica, Luxemburgo, Canadá, Guiana, de onde diabos seria?
Revisei minha lista de contatos na França, e reduzi minha lista a apenas uma possível candidata. Uma única pessoa que mora na França. Ela mora em Villefranche-sur-Mer, ao lado de Nice, na Côte D’Azur, antes de se chegar a Mônaco. Um lugar onde devem ter jogado anilina no mar, de tão azul que é. Seria ela? Precisaria de ajuda do Brasil? Ou seria aquele simpático casal de Reims, que um dia me ajudou? Pensando bem, não poderiam ser eles. Ninguém tem o meu número da Sibéria.
Esqueci-me do assunto, até que o telefone da Sibéria tocou novamente, às cinco horas de ontem. É muito elegante ser acordado em francês. Contudo, esperava dormir um pouco mais, especialmente no sábado. Atendi, e ouvi algo mais, dessa vez. “- Bonjour, monsieur, vous avez oublié...”. A ligação caiu novamente. Corri ao meu livro de Francês Para Telefone da Sibéria e descobri que a gentil senhora francófona me avisava de que eu havia esquecido algo. Ficaria grato, se ela me dissesse o que eu havia esquecido, e onde.
De súbito, percebi que eu estava bancando o idiota, coisa que eu faria o tempo todo, segundo minha mulher. O que eu teria a ver com aquilo? Aquela mulher que fosse francofonar com outro. Resolvi ignorar completamente o assunto, até que o telefone da Sibéria tocou novamente. “- Bonjour, monsieur, vous avez oublié votre brosse à dents”. Assim, tudo mudou. Desfrancofonando a frase, descobri que eu havia esquecido minha escova de dentes. Em Mônaco. Graças ao meu dicionário para viajantes, consegui traduzir quase tudo. Escapou apenas uma palavra. O que será Catchiolá?
Marcadores: Côte D'Azur, Monaco, Nice, telefone, Villefranche-sur-Mer
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