443 - O robô
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O robô
Por Paulo Heuser
O tempo me transformou num cético. Não foi exatamente o tempo, foi o que vi durante a trajetória dele. O ceticismo tira dos adultos aquela empolgação demonstrada pelas crianças. Para elas, tudo é verdade, até prova em contrário. Com o tempo, a experiência nos permite a sensação de que algo não cheira bem, ao lermos o jornal. Só não ficamos tão espertos como o Diabo, porque nunca seremos tão velhos. Porém, apenas a fração infinitesimal da idade do Diabo me fez coçar a cabeça com uma notícia liberada pela Folha, na seção de ciências: Cientistas criaram robô com neurônios de ratos.
Meu lado infantil, por vezes o dominador, logo imaginou um robô dentuço e sorridente, com enormes orelhas de Mickey Mouse. Contudo, há o meu outro lado, o chato, o crítico, o cético. Meu lado infantil acredita que o homem foi a Lua. Até o meu lado cético acredita nisso. Porém, essa notícia do rato robô foi um pouco demais. Criaram o Frankenstein dos roedores! O texto informa que os cientistas da Universidade de Reading, no Reino Unido, criaram “Um robô que funciona com um verdadeiro cérebro vivo composto por neurônios de rato, capaz de ‘aprender’ comportamentos, como evitar uma parede...”.
Não entendo nada de neurônios, tanto que nem consigo fazer os meus funcionarem corretamente. Tampouco entendo de ratos. Mas, de robôs entendo alguma coisa. Não graças ao Dr. Frankenstein, graças ao Prof. Dr. Francke, meu mestre de Eletrônica Básica (FIS01008). Os méritos cabem também a Barbara, colega que insistia na idéia de construirmos um robô, nas aulas práticas de laboratório. Pois o Francke conseguiu um kit de robô, dotado de um CLP - controlador lógico programável, e uma coleção de dispositivos que permitiriam a montagem de um robô autônomo, que faria exatamente aquilo que o robô dos gênios britânicos faz. Todo segredo estava na programação do CLP. Para evitar paredes, não é necessária muita inteligência. Basta um sistema que emite ondas, como as de radar, em várias direções, e mede o tempo de retorno das mesmas, escolhendo sempre o caminho que indica que a parede esta mais distante. Tudo controlado por um pequeno programa de computador escrito em linguagem Basic, injetado no CLP.
Para tornar o desafio maior, o Francke não disponibilizou o chassi, que tivemos de construir, a partir de sucata e de carrinhos de brinquedo chineses, que, em última análise, se classificam como tal. O entusiasmo da Barbara era contagiante, especialmente na montagem das partes mecânicas. Ela soldou os tubos que formavam o chassi, com um maçarico. Tivemos alguns problemas para soltar o conjunto da serra, do martelo e da morsa de bancada, que ela soldou junto, mas o resultado ficou muito bom. E ela apressou-se em telefonar para a mãe, comunicando que usara um maçarico! Entusiasmo contagiante, sem dúvida.
O semestre terminou antes da montagem da placa eletrônica do robô, que restou inerte, a espera de outra Barbara, em outro semestre, para concluí-lo. Não sei se ele chegou a andar pelo chão do laboratório de eletrônica do Prédio H, desviando de paredes e buzinando. Só tenho certeza de uma coisa: se eu tivesse que apostar todas as minhas fichas, não seria no robô rato do Dr. Kevin Warwick, da Universidade de Reading. Apostaria tudo no robô da Barbara. Àquele, não falta só o entusiasmo. Há algo errado com os neurônios.
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