14.8.08

441 - A classe média IX - A revolta dos Bichos


Foto: Paulo Heuser
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A classe média IX – A revolta dos bichos


Por Paulo Heuser



O Estranho – único funcionário público do País a encontrar o caminho para o município do Lado de Cá do Cinamomo, último bastião da classe média – já se tornou figura familiar no Bar, Restaurante e Churrascaria 12 Irmãos. Ele tem mexido os pauzinhos na Capital, tentando fixar residência no Lado de Cá, pois não suporta mais a viagem que se vê obrigado a empreender, uma vez por mês, para assegurar o cumprimento da Lei institucionalizada do outro lado do cinamomo. Não fosse a dificuldade em se encontrar o lugar, outros poderiam vir. Porém, algum dom inato deu ao Estranho a mesma capacidade, para encontrar o caminho, que as aves migratórias apresentam. Por outro lado, não há dom que faça alguém suportar a estrada, se é que se pode chamar aquilo de estrada. É uma estreita e sinuosa sucessão de pedras e buracos enormes, ora subindo verticalmente, ora descendo. Cada motorista do carro oficial – este trocado a cada viagem – recebe uma semana de folga, ao retornar. Alguns pedem licença saúde, quando ameaçados de retorno ao Lado de Cá do Cinamomo.

A chegada do Estranho foi ruidosa. Chegou a bordo de um veículo utilitário da Patram – Patrulha Ambiental, com direito a giroflex e sirene. Ele veio acompanhado de dois agentes ambientais uniformizados, vestindo uniforme de combate e tocas ninjas. Pararam defronte ao 12 Irmãos e um deles rolou pela grama, enquanto empunhava um fuzil de assalto, apontado para o bar. O outro gritava: - go, go, go! No momento em que o segundo agente pedalava a porta do 12 Irmãos, esta abriu-se, pois o sétimo dos 12 viera ver o que estava acontecendo. O agente estatelou-se entre os assustados freqüentadores que curtiam a hora feliz, à tardinha – 16h00 Hora Zulu, como diriam os agentes. O crescido terneiro mugiu, talvez de susto, talvez de emoção.O Sétimo foi algemado, antes que pudesse contar até um. Linoberto veio ligeiro, da roça, alertado pela inusitada sirene, coisa nunca ouvida do Lado de Cá do Cinamomo.

O Estranho entrou visivelmente constrangido no 12 Irmãos. Antes que alguém pudesse perguntar sobre a razão da prisão, o Estranho se antecipou:

- Os 12 irmãos serão presos por infringirem o Decreto 24.645 e a Lei 9.605. Recebemos uma denúncia do Serviço de Vigilância Por Satélite, do Minam – Ministério do Ambiente – e da ONG que fiscaliza a apresentação de animais em espetáculos.
Onze dos 12 irmãos já estavam algemados, quando Linoberto chegou. O Décimo Segundo havia ido à latrina, fugindo com ela nas costas. Procurou refúgio na igreja, junto ao Padre Antão.

- O que eles fizeram, para serem presos? – perguntou Linoberto.

- Eles mantiveram animais em ambiente anti-higiênico e os usaram num espetáculo, sem autorização do Minam!

- Quais animais?

- Três porcos, que, por sinal, serão transferidos para um zoológico, tão logo a Unidade Móvel de Resgate da Fauna consiga chegar até aqui.

- Mas, os porcos estão no chiqueiro! – argumentou Linoberto.

- É um lugar muito sujo, completamente anti-higiênico. Sinto muito, não posso fazer nada, pois lei é lei!

- Sei, Besta Lex, sed Lex! – A lei é besta, mas é a lei!- E quanto a esse suposto espetáculo? – Linoberto não se lembrava de algum circo ter algum dia chegado ao Lado de Cá do Cinamomo.

- Foi no domingo passado, às 15h31, Hora Zulu, defronte à igreja. Havia mais de 40 pessoas presentes. Tenho aqui comigo esta foto comprobatória.

- Mas, isso foi o concurso anual do Porco Gordo!

- A lei é clara, quanto à permissão para a participação de animais em espetáculos!

- Sei, Besta Lex, sed Lex! – A lei é besta, mas é a lei!

O crescido terneiro mugiu, talvez de indignação, talvez de estupefação.

Maria ficou aliviada, quando viu Linoberto subindo pelo potreiro, em direção a casa. Ela estava morta de curiosidade, pois o assunto já havia corrido de boca em latrina. Havia pouco, o Décimo Segundo passara defronte a porteira, carregando a latrina.

- Os 12 estão presos?- Não, tiveram de soltá-los.

- Por quê?

- Bem, em primeiro lugar, os fregueses do 12 Irmãos ameaçaram jogar os agentes no chiqueiro, pois não restaria ninguém para tocar o bar. Depois, o Padre Antão descobriu que haviam criado uma lei que dá foro especial para todos os detentores de cargos públicos, como os 12 irmãos, já que o Sétimo é prefeito e os demais são vereadores. O juiz que poderia mandar prendê-los resolveu liberá-los, pois o Presídio da Capital está interditado devido a uma grande revolta dos presos. Por último, o telefone por satélite do Estranho tocou.

- Era da Capital?

- Era, Maria. Era o Ministro da Segurança, em pessoa. Ele mandou a equipe tocar direto para o Presídio da Capital, aquele onde estourou a rebelião dos presos.

- Mas, a equipe do Estranho não é da Patrulha Ambiental? – Maria ficou intrigada.

- É verdade, mas os presos exigem receber o mesmo tratamento dado aos animais!

O crescido terneiro mugiu, talvez de admiração, talvez de resignação.





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