5.8.08

437 - Nãããão!



Foto: Wikipedia
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Nãããão!

Por Paulo Heuser

Não sei quem inventou aquele quadro de programa de auditório, visto lá pelos tempos em que o Silvio Santos sofria com a concorrência do J. Silvestre, do Erontex Show - que não era o preservativo do Eron, como o nome poderia sugerir. Era um carnê concorrente do Baú da Felicidade. Esses programas faziam sucesso, com quadros na linha do quiz show – perguntas sobre determinados assuntos. O País parava, para ver alguém suando em frente às câmeras. O empático apresentador aparentava defender o pobre candidato, tentando protegê-lo da “Produção” - o grande algoz. O quanto havia de encenação, nesses quadros, ninguém sabe exatamente. Ou melhor, sabe, mas nunca dirá. O clima de suspense era reforçado por alguma música digna de anteceder a abertura da cortina do box do banheiro do Bates Motel. Então, no último segundo, o candidato se lembrava da resposta e as rugas sumiam do semblante do J. Silvestre. Toavam os clarins e rufavam os tambores.

Os quadros que adicionam grandes doses de sadismo, são os que fazem maior sucesso. O povo quer ver a vítima suar. Esses programas põem a velhinha pobre defronte à roleta, e mostram os maravilhosos prêmios que ela poderá ganhar, se, e somente se, a roleta parar no número correto. Sempre há prêmio de consolação. Se a velhinha não ganhar a casa, levará o conjunto de panelas de alumínio.

Nenhum quadro ganhou, em sadismo, de um que era apresentado naquela época, lá por 1967. O feliz concorrente, sorteado entre milhões, era colocado dentro de uma cabine à prova de som, encarando uma lâmpada. Ele nada via, nem ouvia, do mundo externo. Porém, todos os espectadores podiam vê-lo, e ouvi-lo. Ele recebia instruções para responder apenas sim ou não, cada vez que a lâmpada a sua frente acendesse. O apresentador começava a oferecer os mais diversos trastes, intercalados com ótimos prêmios. Algo como:

- Você aceita este balde furado?

- Nãããão! – gritava o participante, ao acender da lâmpada.

- Você aceita este Fusca zero quilômetro?

- Siiiim! – para delírio da platéia.

- Você quer trocar este Fusca por um prendedor de roupa? – perguntava o sorridente apresentador.

- Siiiim! – gritava o novo proprietário de um prendedor de roupa.

Ao deixar a cabine, o concorrente descobria o que ganhara, e o que deixara de ganhar. Às vezes, o concorrente ganhava realmente um grande prêmio.

Os tempos mudaram, e mudaram os shows. Veio o reality show, primeiro o de sobrevivência, depois o da degradação humana. Juntam atores da vida real no interior de uma casa e deixam o show rolar. Quem mais aparece, leva o prêmio. Assim, vale tudo para aparecer. O advento da TV por assinatura permite que esses shows possam ser acompanhados 24 horas por dia. Sexo, fofoca, picardia e festa em tempo integral.

Agora inicia o grande show do civismo. Os debates entre os candidatos assumiram ares de show. Começam com flashes sobre os bastidores, criaram regras que regulam aspectos como quem fala com quem, por quanto tempo, etc. Esqueceremos do Obama e da Hillary, deles, e nos concentraremos nos Zés e nas Marias, nossos. Nos debates correm esses preciosos minutos que definirão o voto de muita gente, com um ou dois paredões, dependendo do tamanho da audiência. Óculos de armações mais leves, cabelos mais cuidados - compensa mudar. Na terra do Obama e da Hillary, já se sabe há muito, que o que conta, em última instância, é a imagem projetada pelo participante. Quem sabe, em breve não poderemos acompanhá-los pela TV, nas 24 horas do dia, sob os auspícios do carnê da Arca da Fatalidade. No dia do paredão cívico, diante da lâmpada da urna, responderemos à pergunta, sem ouvi-la.

- Você quer trocar o incerto pelo duvidoso? – Pense rápido, olhe a lâmpada!

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