Cidade em Preto e Branco
Cidade em Preto e Branco
Por Paulo Heuser
Tentei fotografar minha cidade. Algo sempre saiu errado, não conseguia fotos que fizessem jus à cidade. Ultimamente utilizei uma câmera digital. Nada do que obtinha se parecia com o que via.
Por Paulo Heuser
Tentei fotografar minha cidade. Algo sempre saiu errado, não conseguia fotos que fizessem jus à cidade. Ultimamente utilizei uma câmera digital. Nada do que obtinha se parecia com o que via.
Tentei retirar minha velha câmera do armário, uma daquelas que utilizam filmes. O filme de 36 poses instalado no interior da câmera estava batido apenas pela metade. Vencido faz dois anos. De experiências passadas, sabia que filmes vencidos sabem dar fotos incomuns.
Tentei ver a cidade através de uma lente 50mm, um espelho do obturador e um filme vencido. Algo saiu melhor. A cidade vista através daquela câmera reflex, queimando um filme vencido, começou a se parecer com aquilo que eu via. Seria a granulação excessiva e um desvio exagerado para o azul, conferindo tons extremamente frios às fotos? Frios como a cidade. Mas não o suficiente.
Uma película em preto e branco, quem sabe? Para uma granulação grande, um filme ultra-rápido. Agora sim, esta se parece com a minha cidade. Não há branco. Tudo varia do cinza ao preto. Nem as sombras são completamente negras, só cinza, do claro ao escuro.
Carros cor de prata, que não deixa de ser um tom de cinza, andam pelas ruas de asfalto e basalto, cheias de prédios acinzentados, desviando das carroças carregadas de tralhas em sacos negros, tripuladas por crianças sombrias.
Pessoas de pele pálida ou escura empurram carros de tração humana em meio aos caminhões fumarentos que enchem o ar de gases que escondem o antes azul do céu. Não há mais cores, apenas os tons obtidos do grafite de um lápis. Calcando mais forte ou mais fraco, surgem as sombras e os claros.
Sujeitos esquálidos escondem os rostos por detrás de capuzes que aumentam as sombras, transformados em sombras ambulantes. Ali não há alma, apenas sombras. Sombras que resmungam e se movem lentamente, confundindo-se com as sombras dos prédios cinzentos.
Uma prostituta em roupas sem cor murmura propostas de prazeres indecentes demais para alguém de olhos tão granulados. Atrás dela um homem jaz sobre a calçada, sabe-se lá morto ou vivo, não tem cor, de qualquer forma. Os pombos retiram o resto de cor que poderia haver ali.
Sob o viaduto cor de concreto, seres escurecidos pela sujeira aquecem-se ao lado de latas que soltam rolos de negro fumo.
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