6.3.07

Apocalipse, agora?

Apocalipse, agora?

Por Paulo Heuser

Aníbal protegeu-se atrás de um container de lixo, desnecessário na sua função original de guardar lixo, já que havia lixo espalhado por toda a rua. O container foi promovido à condição de trincheira urbana. Aníbal é brasileiro. Não entendia bem como acabara ali, naquele momento. A farda era plenamente explicável, tratando-se de um soldado. Mas, o que fazia ali, protegendo a bandeira de outra nação? Tornara-se, inadvertidamente, um soldado da fortuna, sem motivação patriótica nenhuma. Mal remunerado, diga-se de passagem.

O abrigo improvisado deu-lhe certo conforto. Os olhos ardiam, em função de algum gás que enchia o ar da rua, criando um quadro iluminado por estranha e fantasmagórica luz amarelada. A boca seca também ardia. Sorveu goles de água, do cantil. A secura logo voltava, aliada àquela ardência incômoda.

Em meio à fumaça, mal conseguia divisar os contornos dos prédios do que, até ontem, fora uma movimentada e viva avenida. Foram-se os homens vestindo ternos e as mulheres enfiadas em elegantes taiers, equilibrando-se graciosamente sobre finos sapatos de salto alto. Aquele mundo sofisticado e movimentado deu lugar a esta praça de guerra. Havia papéis espalhados por todos os lados. A cada passagem dos helicópteros de combate, os papéis alçavam vôo novamente. As sirenes enchiam o ar com seus gritos estridentes. Tudo o que Aníbal queria, naquele momento, era um pouco de paz e silêncio. Apenas alguns poucos minutos. Ajeitou o fuzil e pensou no que fazer. Os olhos lacrimejantes não conseguiam distinguir bem os vultos que eventualmente corriam em meio à fumaça espessa. Seria aquele um amigo, um aliado? Ou seria um inimigo à espreita, esperando que Aníbal mostrasse sua cara? Por via das dúvidas, resolveu ficar atrás da lixeira-trincheira. Seu corpo começou a dar os primeiros sinais de dor e cansaço, na medida em que a carga de adrenalina baixava. A dor no ombro era a maior. Alguma coisa o atingira ali. Parecia não haver sangramento, pelo menos.

Até então, Aníbal acreditava que aliados deveriam se proteger mutuamente, em caso de ameaça à integridade de um deles. Já não estava mais nem em dúvida. Sentia na carne o ônus de proteger os outros. Parecia muito poético, quando visto de fora. Ali, do lado de dentro do circo da guerra, as coisas pareciam muito diferentes. Não havia mais moral, ética ou decência. Era cada um por si. O calor reinante dentro do colete e do capacete começou a incomodar quase tanto quanto a ardência das mucosas. Tentou escarrar, para se livrar daquela saliva densa, pastosa. Não conseguiu.

Naquele momento, Aníbal conseguiu apenas pensar no que teria levado o Lula e o Bush a criarem sua confraria do álcool em plena Avenida Paulista. Por que não foram para Abrolhos ou Alcatraz? Lá somente o Greenpeace conseguiria chegar. E o problema seria da marinha, não do exército!

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