28.2.07

Três por Quatro

Três por Quatro

Por Paulo Heuser

Precisei de novas fotos, para alguns documentos. Comecei procurando na Internet, nos sítios do governo, qual é a documentação necessária para solicitá-los. Para alguns precisamos de fotos 3X4, para outros, 5X7. Umas com data, outras sem. Uns exigem a apresentação da certidão de casamento, outros do RG. E o pagamento de taxas, com múltiplos valores e múltiplos códigos. Ai de quem errar, não há devolução. Não consigo entender por que temos tantos documentos. De formatos diferentes, cores diferentes e, o que é pior, emitidos por órgãos diferentes, de poderes diferentes. Por que não temos apenas um documento? Sei, seria muito fácil refazê-lo, em caso de perda. Assim temos de ir a 29 locais, que exigem documentos diferentes, com taxas diferentes e com fotos diferentes...

Para as fotos, escolhi um antigo fotógrafo da Rua da Praia. O homem usa uma autêntica Rolleiflex 6X6. Faço fotos lá, ou tiro retratos, faz muitos anos, mais de 20, creio eu. Procurei bem na gaveta e encontrei o cartão que dizia: “10% de desconto nos próximos serviços”. O cartão já estava meio amarelado, mas promessa é promessa, não tem validade determinada.

Subi a escada do prédio antigo próximo a Ladeira. Escada centenária, de madeira, em um daqueles prédios que ninguém vê, apenas passa, ignorando épocas de glória. No topo da escada, num hall amplo, dei de cara com a porta fechada. Como fechada? Será que o sujeito foi ao lanche? Mas, lanche às 17h30? Porta trancada com grades e cadeados. Férias coletivas ou óbito, com certeza. Passou um sujeito carregando um armário, de outra sala. Perguntei-lhe sobre a Foto Trevo. Ele respondeu à pergunta com um riso, pois fecharam há tempo. Fiquei parado, embasbacado, olhando para aquela porta fechada. Como fecharam? Há negócios que não podem fechar, como cabeleireiros e fotógrafos de 3X4. Ficamos desamparados, sem eles. E então, como tiraria o retrato? Desci a escada e me perdi no fluxo de pessoas alienadas, nenhuma entendendo a dimensão do meu drama.

Dividi minha dor com uma filha, que ria, enquanto me mandava para a primeira loja de revelação de fotos digitais, que não precisam ser reveladas. Não sou exatamente do tempo do lambe-lambe, mas aquilo pareceu exagerado. Esperava encontrar uma salinha com uma cortina floreada, pelo menos. Deveria haver um pequeno espelho na parede. E um pente Flamengo, em algum lugar. Pente que já percorreu milhares de quilômetros de fios de cabelos alheios. Nada disso, um rapazinho apenas apontou para uma banqueta, no meio da loja, enquanto empunhava uma daquelas minúsculas câmeras digitais prateadas, cuja pretensão é infinitamente maior do que a qualidade das fotos, ou retratos, que tira. Que seja, vamos céleres à modernidade. O rapazinho comentou, com um ar de preocupação:

- Ih, o sol está pegando bem na sua cara!

Daria uma foto do Iluminado? Perguntei-lhe sobre a possibilidade de voltar na manhã seguinte, quando o sol incidiria sobre a parede contrária. Ele riu, comiserado, enquanto me explicava que o flash faria o sol desaparecer “da minha cara”. Só um idiota, como eu, não saberia disso. Fiat lux. Sentei-me para aguardar o resultado. Lembrei-me, repentinamente, da necessidade de data nas fotos. Ele me tranqüilizou, dizendo que colocaria a data depois. Prático, não. Faz-se apenas uma foto e troca-se apenas a data, quando necessário. Como nas lápides.

Enquanto relaxava no sofá, observei o rapazinho trabalhando. Movia freneticamente o rato apontador, de um lado para o outro, enquanto teclava furiosamente com a mão esquerda. A minha foto aparecia na tela, muito ampliada. Ele clicava, enquanto olhava uma foto num álbum. Minha foto começou a deixar de ser minha. O Fotoxop operava milagres estéticos. Comentei que, por mais estranho (e horrendo) que pudesse parecer, eu gostaria de me parecer comigo mesmo, nas fotos.

- Não dá, tenho de deixá-lo mais normal. – disse ele.

- O que é normal? – lhe perguntei.

- Bem, é como os outros...

- Quais outros?

- Os da foto do álbum.

- Mas, eu quero uma foto fiel...

- Ah, não cola! O pessoal lá não aceita – ele sacudia a cabeça, negativamente.

- Quem não aceita?

- Eles lá, sabe?

O rapazinho não abriu mais a boca, enquanto dedilhava, copiava e arrastava sobre a foto daquele sujeito na tela, que um dia fora eu. Quem seria agora? Começou a ficar parecido com... Marlon Brando, em O Selvagem (1954). Decorridos 10 minutos, parou, visivelmente satisfeito com a metamorfose. Vieram-me à lembrança os espetáculos circenses, nos quais uma mulher se transformava num gorila. Até que escapei bem. Nada de pelos adicionais.

Espero que eles (eles lá, sabe?) aceitem.


E-mail: prheuser@gmail.com

1 Comments:

At quarta-feira, 28 fevereiro, 2007, Blogger José Elesbán said...

Tirei fotos na Foto Trevo há uns dois anos. Então ela fechou nem faz tanto tempo assim... :)
Mas devo dizer que a minha foto então já foi batida com uma câmera dessas digitais pequenas com cor de alumínio aparente. Acho que a Rolleiflex já estava aposentada... :(

 

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