7.2.07

A Polonese

A Polonese

Por Paulo Heuser

Há coisas que a globalização não conseguiu varrer do nosso mapa. Uma delas é a polonese (polonaise), ou Aufzug, dança estilo quadrilha, grupal e cultural. Ainda é praticada como dança de abertura nas sociedades germânicas que mantém algum vínculo com as raízes. Uma polonese vale por 23 sessões no analista. Desopila-se tudo, menos o fígado, pois a polonese costuma ser acompanhada pela cerveja, apesar de não haver nenhuma exigência a esse respeito.

Neste mundo globalizado, onde tudo ocorre na individualidade, ou quase, uma festa onde dezenas, ou centenas, de pessoas dançam em conjunto chega a ser algo inimaginável. Uma dança que reserva grandes surpresas, pois o destino, a cada passo da marcha, é um mistério, bem como o par que eventualmente arrecadamos, no desenrolar dela. Sim, é uma marcha, extremamente musical, na qual os pares andam em fila, executando alegorias inventadas e executadas pelo puxador da polonese, espécie de mestre de cerimônias da dança. Da sabedoria e habilidade dele dependem os casais que participam da dança, para reencontrar seu par original, no final. Uma boa polonese não respeita o território do salão, apenas. Ela extrapola seus domínios, explorando locais estranhos, por vezes a cozinha do salão. Eventualmente, os toaletes. O lema é dançar, não importa com quem, apenas dançar. Diverte-se que dança, diverte-se quem apenas observa, pois não existem duas poloneses iguais. Cada uma é única, seja pelos dançarinos, seja pelo percurso, seja pelo puxador. Imagino que até o pessoal da banda se diverte. Pois, mesmo para eles, cada polonese é única.

A fila de casais se cruza. Nada ali é estático. E o casal puxador segue como um par de flautistas de Hamelin, puxando a marcha tocada pela banda, enfeitiçando os casais. Não há velhos, não há jovens, não há estranhos. Há apenas os casais que seguem a marcha, dançando como velhos conhecidos, mesmo que estranhos. A única hierarquia é a do casal puxador, que comanda a vida de todos os dançarinos, obedientes. Em algum momento, homens se separam das mulheres, seguindo em filas, conforme o gênero. Pois a polonese exige os pares. Pares que irão se separar durante o percurso, assumindo novos pares, até que o mestre consiga retorná-los ao seu par original. Daí vem o seu poder. O poder da manipulação do futuro de todos aqueles dançarinos.

Ninguém sai da polonese como entrou. Cada uma é uma rica experiência de vida. Única, já que não existem duas polonese iguais. É a socialização pela cumplicidade. Não há muitas oportunidades para dançá-la. Se uma passar na sua frente, agarre-a, firmemente. Não perca por nada a possibilidade de realizar 23 sessões de análise em 10 ou 15 minutos. Com pessoas que nunca viu antes, mas das quais se lembrará pelo resto da vida. Viva a globalização, para os outros! Viva a tradição, para mim!

E-mail: prheuser@gmail.com