21.1.07

O Seguro

O Seguro

Por Paulo Heuser

- Bom dia! Corretora Sinistrum às suas ordens!

Hora de renovar o seguro do carro. Odeio este momento, ainda contratarei um corretor para tratar com o corretor. Todo ano é o mesmo estresse. Alguém me deu a dica dessa seguradora, bem mais em conta. Bem, vamos lá, de nada adianta fugir agora.

- Bom dia, estou interessado no seu seguro...

- Um momento, estou transferindo para um dos nossos corretores!

- Pois não.

Já posso imaginá-lo, um sujeito de meia-idade, excessivamente falante e algo pedante. Sempre fazem cara de nojo quando digo o modelo e o ano do carro. Parecem estar me fazendo um favor ao segurá-lo. Houve um que segurava a proposta na ponta dos dedos, após preencher o modelo.

- Bom dia, Joyce Scarlet, compleeetameeente às suas ordens!

Céus, que voz! Os “es” daquele completamente foram modulados de uma forma que arrepia a espinha. Será a secretária do corretor, aquele de meia-idade e ar pedante?

- Bom dia, por favor, eu gostaria de falar com um corretor, para tratar da apólice....

- Você já está falando com uma, sou a sua corretora. O que posso fazer para satisfazê-lo?

Os ésses do sua e do satisfazê-lo são de dar novo arrepios.

- É que eu quero renovar meu seguro...

- Ótimo, vamos trabalhar nisto agora. Vou lhe perguntar sobre as coisas de praxe, depois entramos nos detalhes. – novo arrepio.

Lá se vão as informações, nome, cpf, endereço, idade, ...

- Você não quer saber sobre o carro?

- Ahá, você é rapidinho, não é? Calma, vamos primeiro tratar dos negócios. – Novamente aquele ésse arrepiante.

Essa mulher sabe fazer seu trabalho. E com que voz! Está completamente no comando. Ela diz e eu obedeço. Ainda mais com aqueles ésses.

- Você está tomando alguma medicação, no momento? – Esta é nova, nunca haviam me perguntado sobre saúde. Melhor não mentir.

- Sim, tomo bálsamo alemão, 10ml, duas vezes ao dia.

- Entendo! – Sinto uma mudança na sua voz. Parece mais alerta. Será que há problemas em dirigir tomando bálsamo alemão?

- Qual é a aparência da sua urina? – Nossa, o que isto tem a ver com o seguro? O ésse do sua perdeu aquele som. Sem arrepios, agora.

- Bem, é... amarela e líquida, creio eu... – O que mais posso dizer?

- Que tom de amarelo?

- Um momento... – Vou deixar o telefone na sala, não consigo urinar com alguém observando...

- Alô? Pronto, já verifiquei, parece amarelo citrino. – Li isso em algum lugar.

- Ótimo, ótimo! – A voz dela parece ter voltado àquele estado.

- Você alcança a ponta dos pés? – Ouço um desafio?

- Bem... não exatamente...

- O que, exatamente, você que dizer com esse exatamente? – Sinto uma ponta de desconfiança na voz dela.

- Ah... não, para ser sincero.

- Lamento, senhor. Creio que não poderemos continuar esta entrevista, por telefone. Será necessário marcar uma entrevista no nosso escritório. Lhe passaremos uma lista de exames indispensáveis. – Os ésses sumiram completamente, e aquele você, quase íntimo, virou um senhor, frio e distante.

- Mas, não entendo. E o carro? A senhora – devolvo o tratamento – não quer saber nada do carro?

- Senhor, a Sinistrum não julga seus cliente pelas aparências. Nada nos interessa saber, se o senhor anda de Fiat 147 ou de Mercedes ZLK 900.

- Como vocês renovam a apólice, sem saber do carro?

- Ora, o carro não vai junto, na cremação!

- Cremação?

- Sim, nosso seguro funerário cobre apenas a cremação. Se o senhor deseja um seguro para enterro, por favor, procure em outra corretora. Podemos lhe recomendar a Suave Jornada, do primo do nosso diretor.

E-mail: prheuser@gmail.com