5.1.07

Quimera

Quimera

Por Paulo Heuser

Quimera surgiu por volta do século VII a.C. em Anatólia, Grécia, resultado da união entre Equidna e Tífon. O mito propagou-se pelos 27 séculos seguintes, surgindo e ressurgindo em diversos locais, com diversos personagens, que teriam dado origem a seres improváveis, mistos de humanos e animais. Duas publicações científicas desta semana trazem artigos que dizem respeito ao assunto quimera. Nature (vol. 445, no. 7123) traz um editorial, intitulado Avoiding the chimaera quagmire – Evitando a armadilha da quimera –, alertando sobre a necessidade de se estabelecer uma discussão ética a respeito da fusão de células de animais e de seres humanos. New Scientist no. 2585 traz um inquietante artigo, intitulado The DNA so dangerous it does not exist – O DNA tão perigoso que não existe.

O primeiro artigo chega a ser óbvio. Dado o poder a quem consegue manipular o código genético, há de se submetê-lo à norma, antes que seja tarde, se ainda não o for. Nos países onde existe um poder religioso dominante, a normalização poderá ser mais rígida. Basta ver o caso da Itália, onde um plebiscito determinou a proibição do uso de embriões humanos nas pesquisas. Já em outros, onde o deus Capital fala mais alto, a coisa poderá ser mais complicada. A possibilidade do desenvolvimento (e venda) de medicamentos desenvolvidos a partir dessas pesquisas poderá determinar uma regulamentação mais liberal, mais lucrativa. O que fazer, caso alguns países proíbam a prática, enquanto outros a permitirem? Criar-se-ão ilhas de pesquisa nos países eventualmente benevolentes com a permissão de combinação genética interespécie? Claro, sempre há a possibilidade de George W. entender que apenas a grande nação do norte tem o direito de legislar sobre a matéria, defendendo este direito como e onde julgar necessário. Entre um e outro brilhante pronunciamento a respeito dos perus. De qualquer forma, será difícil policiar a matéria. Se não a publicarem, como saberão?

O segundo artigo não é nada óbvio, de difícil compreensão, para um leitor leigo no assunto. Contudo, um leigo consegue perceber as implicações da obtenção de seqüências de DNA que não existem na natureza, pelo simples fato de inviabilizarem a vida. Uma equipe da Boise State University procura essas seqüências que não existem. Como procurar algo que não existe? Através do mapeamento de tudo que existe. Todas combinações não existentes serão, potencialmente, as seqüências inviáveis procuradas. O pesquisador Greg Hampikian, daquela universidade, compara a tarefa com a procurara de uma agulha fora do palheiro. Aí se faz necessária uma pergunta, esta sim óbvia, na questão, não na resposta. Qual será a utilidade de uma seqüência dessas? Para eliminar organismos geneticamente modificados que se mostrarem perigosos, posteriormente, através de um gene suicida. – responde o pesquisador. Outra utilidade identificada no artigo é a rotulagem de segurança de organismos vivos. O Departamento de Defesa dos EUA está financiando a pesquisa, para implantar rotulagem de DNA em voluntários, com fins forenses. Nestes casos, seqüências não-letais permitiriam a identificação dos indivíduos através de um kit.

Onde irão parar com essas coisas? Não sei. Tenho medo de algumas possibilidades de uso do produto dessas pesquisas. Que os papeleiros – aqueles que puxam carrinhos pela cidade – “evoluam” para centauros, por exemplo. Ou que aquele inocente pastel torne-se um leitor de seqüências improváveis de DNA, equipado com um dispositivo de ativação de genes suicidas. Tudo dentro daquela azeitona.

E-mail: prheuser@gmail.com