19.12.06

Extra, extra, extra...

Extra, extra, extra...

Por Paulo Heuser

Raimundo lia as manchetes da manhã, naquela rápida passada de olhos pelos jornais, sem grande compromisso com a leitura. Informação rápida, sem pretensão. Ele gosta de sair de casa informado, mesmo que sem detalhes. Estes ficavam para a noite, quando se torna mais crítico e mais seletivo. Horóscopo, não lê. Não se prende muito na seção de cultura, revoltado pelo que anda ocorrendo na cultura. Cansou dos discursos do ministro, que sempre começam, continuam e terminam, com um “Abiba êba, aiaiaiaiaaaaaaaaaaai”. Musical, pero no consistente.

O gole da coca-cola se entalou na garganta, ficando naquele vaivém que acende todos alarmes internos. São os breves momentos em que perdemos as boas maneiras e entregamos o timão ao instinto, que faz o que bem entende para resolver o impasse. No caso em questão, Raimundo acabou engolindo parte da coca-cola, borrifou a mesa e o jornal com outra parte, enquanto os gases saíram pelo nariz e demais orifícios próximos. Coca-cola no café da manhã é muito boa, desde que não se leia determinadas partes do jornal. Foi o erro de Raimundo. O motivo do engasgo foi a manchete colocada frente aos seus olhos, ainda lacrimejantes pelo gás carbônico que afluíra involuntariamente pelos orifícios e trompas: “Caçador atropela veado hermafrodita de sete patas”. O choro gasoso, carbônico, e involuntário, deu lugar à gargalhada compulsiva e espasmódica, igualmente involuntária.

Nunca vira manchete mais ridícula. Ficou imaginando como o jornalista escrevera tal coisa. Pela primeira vez na vida, concordou com a necessidade de um diploma em jornalismo para exercer tal profissão. Faz-se necessário muito estudo, para conceber uma manchete como essa. Por três vezes tentou ler a notícia, sempre interrompido pelos novos espasmos de riso. Conseguiu lê-la apenas na quarta tentativa, apesar da visão embaralhada pelas lágrimas. Teria o vivente ido caçar na Ilha do Doutor Moreau (1896), ciceroneado pelo personagem Edward Prendick, de H.G. Wells? O Papai Noel estaria fazendo manipulação genética nas renas, obtendo veados mutantes? Ou então, teria o ET de Varginha reaparecido para as festas de Natal?

Quando a visão embaraçada o permitiu, Raimundo conseguiu ler o texto da notícia. Um sujeito chamado Rick Lisko atropelou o mutante. Não poderia deixar de jogar no 24. O fiscal Doug Bilgo atendeu a ocorrência, em Mud Lake, Osceola, EUA. É raro encontrar tal sucessão de nomes improváveis. Edward Prendick parece bem mais verossímil. Raimundo imaginou que Lisko e Bilgo poderiam ser personagens de algum seriado de tv infantil, como Jambo e Ruivão (Ruff and Reddy) ou, para os mais jovens, Timão e Pumba (Timon and Pumba). Talvez conseguissem destronar o Pee Wee Herman, certamente a coisa mais ridícula que já povoou o planeta tv.

Raimundo preferiu não se servir de outro copo de coca-cola antes de terminar a leitura das manchetes, por precaução. Ele ficou pensando por que ainda não inventaram o café com gás. Roubariam algum mercado da coca-cola, pelo menos no café da manhã. Pizza fria amanhecida, ao alho e óleo, e café com gás, que combinação fantástica! Azia matinal para viagem. Blurrrrp! Deve ser porque o gás carbônico não se dilui na água quente. Que se tome o café gelado, então. Para arrematar, olina com gás, a gás-olina. Aí estava algo para se pensar. Homem de mercado, Raimundo fez algumas anotações. Com 22% de álcool?

Apesar de quase engasgado, Raimundo relaxou. Aquela sessão de gargalhadas lhe lavara a alma. Fechou o jornal, pois nada mais leria naquela manhã. Deixou de ler a próxima manchete: “Rebelo descarta revisão de reajuste”. Outra história insólita vivida por personagens com nomes improváveis?

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