28.11.06

Inimigo Oculto

Inimigo Oculto

Por Paulo Heuser

Alguns inimigos não anunciam o ataque, como os terroristas. Outros atacam conforme as fases da Lua, como os lobisomens. Alguns atacam sazonalmente, como os inimigos, digo, amigos secretos. Levam outros nomes, em outras paragens, como amigo oculto. Não sei de onde veio essa idéia, mas há quem defenda que surgiu de um costume escandinavo. Provavelmente quebravam crânios de inimigos para festejar o solstício de inverno, trocando-os entre si após os brindes: Skol! – Skal com uma bolinha sobre o “a” -, como os suecos tanto gostam.

Do primeiro amigo secreto ninguém se esquece. O meu foi um sujeito um tanto estranho, colega de trabalho. Eu estava na empresa fazia apenas uma semana, não conhecia ninguém, portanto. Cada um colocava seu pedido num quadro de avisos, facilitando a vida dos sorteados. Minha vítima pedia um par de meias brancas – barbada, né? – e, acreditem, soldadinhos de chumbo. Acabei comprando clones de plástico. Se ele gostou, não sei. Mas, quem pede algo como isso, pode esperar qualquer coisa.

Aí começa o problema dos presentes de amigos secretos. Estabelecem um teto de 10 reais e pedem um DVD duplo do U2. Acabam levando um CD da dupla sertaneja Camelo e Dromedário, em liquidação no balaião. A técnica é guardar os presentes, para dá-los a outrem, nos próximos amigos secretos, o que poderá até ocorrer no mesmo dia. Fica mais em conta desta forma. Também não se fica com o mico-preto na mão.

Criaram formas mais sádicas de amigo secreto, como o invertido, onde somente a vítima da vez ignora quem é seu amigo secreto. Os demais lhe passam dicas sobre o dito cujo, como: “tem a cara cheia de cravos e espinhas”, “a barriga cai sobre o cinto” ou “tem olhos de defunto”. O Amigo da Onça é outra forma menos inocente de homenagear os amigos. Nesta, se tenta constranger a vítima, lhe dando presentes que nada têm a ver, ou têm tudo a ver, com a personalidade da pessoa. Dão calcinhas de pompom para o machão da turma, que corre o perigo de deixar escapar um “oh, que luuuxo!”, mal disfarçado.

Assim como há quem goste das filas de churrascarias, lá pelas 14 horas de domingo, há quem goste de organizar os jogos de amigo secreto. Começam a planejar a coisa na Páscoa, para o Natal. Logo após o do Natal, planejam o da Páscoa. Já tentam criar uma variante chamada Eminência Parda, para o dia da República.

Considero a brincadeira de amigo secreto muito boa para as famílias grandes, pois traz uma economia importante nos gastos com presentes e facilita tremendamente as compras de Natal. As outras 47 festas de Natal, com amigo secreto, julgo dispensáveis. Não gosto tanto assim das lojas de 1,99. Dá para fazer uma lista grande das festas, tem a do trabalho, da escola, do clube, da pet shop, onde se trocam ossos, da garagem no centro, dos mendigos de rua. Na semana passada me convidaram para ingressar num grupo diferente. Cada participante dá um quilograma de alimento não perecível para o amigo sorteado. Lindo não é, dou um quilo de feijão e recebo um de farinha. Quando perguntei à pessoa sobre o que faríamos com os presentes, esta me fitou intrigada, como quem responde mudamente: “Ora, que burro, eu faço a feijoada, você a farofa”. Saí sem a resposta. E sem o feijão.

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