22.11.06

Destruição em Massa

Destruição em Massa

Por Paulo Heuser

Encontrei uma bela oferta de computadores de boa marca. Nada parecido com aqueles montados no fundo de quintal utilizando pedaços de origem duvidosa. Coisa boa mesmo, lá da terra do Tio Sam. Não estava procurando um, mas quando abri hoje o jornal, deparei-me com um anúncio realmente tentador.

Coisa maravilhosa a configuração de um equipamento através do sítio do fabricante na Internet. Basta escolher um modelo básico e adequá-lo às minhas necessidades, e ao meu bolso. Escolhidos modelo, processador e memória, fui aos outros dispositivos. Rede sem fio, monitor, etc.

Tenho de dar a mão à palmatória, a venda pela Internet é uma realidade. Após meia dúzia de minutos, estava com um equipamento especificado e orçado. Colocá-lo no carrinho virtual, foi apenas um clique adicional. Veio então o momento do preenchimento do cadastro. Nome, endereço, CPF e duas perguntas sobre o uso do equipamento. “Qual o tipo de pessoa e/ou usuário final a quem se destina este produto?”. Algumas opções de respostas à pergunta. Haveria opções para usuário doméstico, escritor de asneiras, pessoa física, contribuinte, ou similar? Não, havia opções para governos, militares ou polícia. Ainda bem que havia uma opção para “outros”. Certamente sou um “outro”. Contribuinte, mas “outro”. Estranho, solicitei a configuração de um equipamento para uso doméstico e me perguntam sobre usos policiais ou militares. Tudo bem, não me importa ser um “outro”.

A segunda pergunta: “Qual é o uso final ou propósito de utilização deste produto?”. A primeira opção, aeronaves, não serviria. Em se tratando de um portátil até daria para entender, mas usar um desktop a bordo de uma aeronave não é muito prático, nem cômodo. “Aeromoça, há uma tomada 120 V AC disponível na minha poltrona?”. É meio pesado para ser carregado. No colo, não se ajeita bem. Não servindo a opção, fui à próxima. Céus! Era “Armas biológicas”! Confesso que já produzi chucrute em casa, mas não utilizei o computador para fazê-lo.

Juro que não entendi. Entendi menos ainda quando vi as próximas opções, incluindo “Armas de destruição em massa” e “Armas químicas”. Será que o Saddam andou jogando essas máquinas nos curdos? Verifiquei novamente se havia entrado no sítio correto, poderia ser alguma pegadinha. Ou, então, teria entrado por engano no sítio www.mercenariodomestico.com.br. Não, tudo estava correto.

Pelas perguntas a mim feitas, sobre a utilização do equipamento, dá para se ter uma noção do perigo que o usuário doméstico representa à maior potência do mundo. A Dona Maria se transforma, de pacífica professora, em uma terrível projetista de armas de destruição em massa. Só se fizer a massa com ovos estragados. Aí teremos uma pestilenta destruição com a massa. Arma química também, por que não?

A indagação que me fiz foi sobre o que aconteceria se eu respondesse à pergunta com a opção das armas de destruição em massa. Em segundos, peruas – carros, não dondocas – GMC pretas estariam cercando meu prédio, despejando agentes MIB – Homens de Preto – da CIA e de alguma agência de segurança secreta, cuja existência é ignorada até pelo chefe. Antes disso, um furgão com os vidros opacos estaria parado nas proximidades, tripulado pelos agentes que comem pedaços de pizza regados com copos de café aguado, disfarçados de técnicos em telefonia. Estariam esperando pelo meu Enter, o fatídico Enter.

Entendo que os terroristas e agentes de destruição em massa, a serviço de qualquer bandeira, não agem em sã consciência. Contudo, alguém responderia com aquela opção, àquela pergunta, mesmo em insana inconsciência? As empresas tio-sâmicas que exportam para as repúblicas bananescas necessitam psiquiatras bélicos para compor os formulários de vendas. Se o comprador responder afirmativamente à pergunta das armas, e negativamente à outra, subliminar, sobre o gosto do mel de cactos, teremos um sério problema de segurança nacional. Algo que mereceria um Defcon-3 (Condição de Defesa), por baixo. E de nada adiantaria a Dona Maria alegar que procurava uma receita de massa no sítio da revista Dela, publicação voltada às professoras com dupla jornada.

Há outras opções interessantes, em resposta àquela pergunta, como “Tecnologia de míssil” e “Nuclear”. A Dona Maria sempre poderá jogar “SimScud” e “SimNuc”, revolucionários e educativos passa-tempos de simulação de holocausto nuclear. Novamente há uma opção “outros”. Certo, serei um “Outro/Outro”, a mais outra das espécies de outras pessoas. Não apenas um mero “outro/outro”. Mas, e se, apenas e se, meu dedo escorregar no camundongo apontador e eu escolher alguma daquelas opções cataclísmicas? Algum crime contra a humanidade? Faltou apenas o conjunto “Hecatombe” e “Aquecimento Global”.

Só de pensar, me treme a mão. Melhor não arriscar. Minha opção pacifista de “Outro/Outro”, não declarado, me fez economizar um bom dinheiro. Afinal, o velho pacifista ainda me atende, mesmo sem tanta grife. E não exige declarações de intenções.

E-mail: prheuser@gmail.com