9.11.06

Pesadelos Kafkianos

Pesadelos Kafkianos

Por Paulo Heuser

Todos temos um pouco do bancário Joseph K., personagem da obra literária O Processo (1925), publicação póstuma do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Kafka se notabilizou pelo estranho realismo dos seus romances. Joseph K. era um sujeito que se julgava fiel seguidor da lei. Até que foi preso, certa manhã. Foi preso, interrogado, julgado e condenado por um crime que desconhecia. Descobriu-se acusado e culpado, sem saber de que e pelo quê.

A vida é repleta de situações kafkianas do cotidiano. O vizinho que deixa de cumprimentar o outro, sem que este saiba por quê; O aluno segregado pelos colegas, sem razão aparente, e outras situações mais dramáticas que levam ao desamparado frente às acusações sem forma nem conteúdo.

Os homens e mulheres que se dedicam à vida pública estão vivendo situações kafkianas, por conta das situações não tão kafkianas vividas por inúmeros colegas, estes sabedores do que são acusados. Os bons pagam pelos maus. Viram-se hostilizados indiscriminadamente pelos cidadãos que são apenas cidadãos.

Os cidadãos, por sua vez, assistem ao espetáculo bizarramente teatral de acusações e defesas, protagonizado pelos que não são apenas cidadãos. Não há mais inocentes nem culpados, apenas os acusados, nunca condenados, nunca inocentados. O processo moto-contínuo realimenta-se dos próprios produtos, que retornam, ora como acusados, ora como acusadores. No próximo ciclo do processo, poderão protagonizar novos personagens, menos os papéis dos culpados. Estes deixariam o processo, encerrando-o.

Talvez esta seja a hora para o apenas cidadão se perguntar sobre a culpa que lhe cabe, para merecer tamanho castigo. Milhões de clones de Joseph K. estão continuamente sendo punidos pelo crime que desconhecem. Os detentores do primeiro poder – o executivo – encontram-se em guerra aberta com alguns setores do quarto poder – a imprensa. O segundo poder – o legislativo – encontra-se sob fogo dos dois anteriores. O que fará o terceiro poder – o judiciário? O que será do poder zero – o dos apenas cidadãos? Terá o mesmo destino de Joseph K.? De qualquer forma, a harmonia entre os poderes tende a retornar. Passado o templo do plantio, chega a hora da colheita. Menos para o poder zero. Afinal, quem nada planta, nada colhe.

E-mail: prheuser@gmail.com