25.10.06

Groenlândia Sunny Park

Groenlândia Sunny Park

Por Paulo Heuser

A poodle sacode-se toda na sacada, livrando-se das pulgas, reais ou virtuais. Dois dinossauros enfrentam-se em um debate político televisivo, sem som nem tom. Do aparelho de som, Lulu Santos canta "... Nada do que foi será...". Na mão, o exemplar da revista que traz a perturbadora entrevista com o pesquisador inglês James Lovelock (1919-), autor de Vingança de Gaia (2006). Pode haver algum elo comum entre toda essa miscelânea de sons, imagens e textos?

Lovelock acredita que a mudança climática da Terra já ultrapassou o ponto de retorno. Há quem o acuse de ser alarmista, quando prevê que aí por 2040 a Terra será um planeta inóspito. Oitenta por cento da humanidade desapareceria até o final do século. Ele alega que apenas reuniu os fatos e os expôs em linguagem acessível aos leigos. Sintetizou os resultados de trabalhos isolados e especializados, que chegariam a uma parte restrita da população. Começamos a enfrentar os não tão primeiros efeitos da mudança climática. Secas terríveis alternam-se com inundações igualmente terríveis. Gente morre de calor nos países de clima temperado, efeito estufa e tudo aquilo que aparece diariamente nos jornais.

As causas do aquecimento global aparentemente são muitas, uma primordial, de origem geológica, e outras provocadas pela passagem do homem. O homem deve ter apressado a coisa, enchendo o planeta com gente que rebenta tudo para alimentar-se e para alimentar os bolsos sem fundo. É difícil falar em culpa. O homem faz parte disso. Não pode ser separado do resto do planeta e do resto das espécies. Na Hipótese de Gaia, pela qual a Terra seria um organismo vivo complexo, o homem é parte, como são as outras criaturas que habitam sua biosfera. Por esta hipótese, Gaia se livraria daquilo que tira o equilíbrio do conjunto. O nome Gaia foi inspirado na deusa grega da Terra.

Se for possível culpar alguém, pela parte não-geológica, o homem merece a culpa. Derrubamos as florestas, queimamos combustíveis fósseis, não renováveis, ainda bem que não o são, desperdiçamos água e todas aquelas outras coisas. Não damos ouvidos ao Nacional Kid, Ultraman e outros tantos defensores do planeta. Julgamos José Lutzemberguer e Gert Schinke, com sua motocicleta vermelha, figuras excêntricas que lutavam contra moinhos de um imaginário muito longínquo. Este se torna uma realidade próxima, os moinhos se tornaram dragões.

Considerando as previsões de Lovelock, quem pensa em investimentos, no longo prazo, deverá considerar seriamente a comprar de terras na Groenlândia, Sibéria e outros poucos locais que ainda serão habitáveis. Dá para imaginar o sucesso dos novos condomínios, como o Groenlândia Sunny Park, e os novos resorts de praia, como o Islândia Beach?

Lovelock não estará aí em 2040, portanto pode prever o que quiser, sem o perigo de ser cobrado depois. Os dinossauros no embate do debate não falam em ecologia. Lulu Santos continua: "... tudo muda o tempo todo no mundo... Não adianta fugir nem mentir a si mesmo...".

Gaia, à moda da poodle, sacode-se para se livrar das pulgas, digo, dos homens, mesmo que tarde demais.

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