22.10.06

Dessa Água Nunca Beberei!

Dessa Água Nunca Beberei!

Por Paulo Heuser

Quantas vezes afirmamos, com toda convicção do mundo, que não beberíamos d’alguma água que cruzou nossa vida? Jamais usarei pantufas de ursinho! Nunca comerei arroz-de-leite! Chuchu jamais entrará no meu prato! Dançar ao som da Egüinha Pocotó? Sem chance.

Há cláusulas pétreas no nosso contrato de vida que nos impedem de fazer determinadas coisas. Algumas, como a do não matarás, são mais pétreas do que outras. Entra ano, sai ano, nos surpreendemos dançando ao som da Egüinha Pocotó, vestindo pantufas de ursinho, comendo chuchu e... não, isso é nojento demais... arroz-de-leite não! Eis uma cláusula realmente pétrea, entre outras areníticas, digamos.

Nossas cláusulas pétreas atuam como empecilho definitivo à tão sonhada globalização. Sonhada pelos que vendem coisas globalizadas, pelo menos. O Tio Sam quer vender fast food para os tuaregues, que não querem vender gafanhotos fritos aos noruegueses. É a mão única e visível do mercado globalizado. Meu plano secreto de vingança contra o Tio Sam é a abertura de uma rede de fast food de arroz-de-leite, na terra dele: a Milky Rice Way – Via Rizi-Láctea.

Noutro dia assisti a um documentário sobre os costumes do povo de algum daqueles Azerbaijões, ou outro baijão qualquer. Documentaram uma festa de casamento, era para ser uma, eu creio. Seguindo rígidos preceitos religiosos, os homens festejaram numa grande tenda, isolados das mulheres, que festejavam em outra. Festerê danado, coisa louca mesmo. Cada um ganhou uma garrafa plástica de água mineral sem gás e ficaram conversando, sentados no chão. Faltou apenas o arroz-de-leite para completar a orgia. Qualquer promoter de festas poderia enriquecer lá.

Penso em tudo isso para fugir um pouco da minha água da vez. No meu contrato de vida há uma cláusula que me proíbe de atuar na política. Coisa pétrea, dogmática mesmo. Quando se entra na política, todas as cláusulas deixam de ser pétreas. Tornam-se gelatinosas. Com exceção daquela do arroz-de-leite, bem entendido. Pois é, agora me convidam para concorrer a um cargo eletivo, como candidato a vice. Não, está bem claro lá no contrato: política não! Daí argumentaram bastante, nem sei por que foram se lembrar de mim. Vice não dá nada, não é? Não dava, agora pode dar notícia.

Ainda não sei bem o que fazer. Meu lado mais acomodado diz para ignorar o convite e cumprir o contrato à risca. O outro está cutucando, o tempo todo, para que eu aceite. Já estou quase indo com ele. Afinal, não é todo dia que me convidam para compor uma chapa, concorrendo à vice-presidência da pasta social da paróquia.

Pronto, lá se vai outra cláusula pétrea. Só não comerei arroz-de-leite!

E-mail: prheuser@gmail.com