8.10.06

Quando o Futuro Chegou

Quando o Futuro Chegou
Publicada na Gazeta dos Sul, de Santa Cruz do Sul, em 13/10/2006
http://www.gazetadosul.com.br/default.php?arquivo=_noticia.php&intIdConteudo=63069&intIdEdicao=979

Por Paulo Heuser

Tentei lembrar do nome de uma revista antiga, da década de 60, mas não consegui. Uma revista infantil trazendo previsões sobre a vida no futuro muito distante, o ano 2000. Minha maior preocupação era a possibilidade de não chegar a viver o ano 2000, já que estaria muito velho, com 45 anos de idade. Velho demais para os sonhos de alguém que beirava os 10. Fiquei realmente fascinado por alguns artigos daquelas revistas, que descreviam os meios de transporte do ano 2000.

Os passeios públicos fariam verdadeiros passeios – seriam móveis. O sujeito sairia de casa, pisaria no passeio, e seria imediatamente conduzido ao seu destino por um sistema de esteiras rolantes. Os carros, então, seriam de tirar o fôlego. Nada de rodas, literalmente voariam, como aquele táxi guiado por Korben Dallas no Quinto Elemento (1997) de Luc Besson. Os carros seguiriam por vias imaginárias pelos céus das cidades. O Lixo urbano seria devorado pelo próprio piso das cidades, sendo conduzido para algum lugar ignorado. Toda energia seria atômica, eliminando a necessidade de gasolina e diesel.

Sexta-feira, enquanto voltava para casa, percebi que eles e eu erramos. Errei duas vezes, ao acreditar naquele asneirol todo e ao acreditar que não estaria mais aí no ano 2000. Eles erraram mais do que todas as pesquisas eleitorais reunidas. Não previram o surgimento do novo veículo da virada do milênio: a carroça. Elas até existiam na década de 60, mas eram utilizadas nas áreas rurais. Nas cidades, se limitavam à entrega de alimentos, notadamente do leite e do pão. Os verdureiros eram reconhecidos de longe pelo ruído dos cascos dos cavalos no pavimento das ruas.

A grande novidade trazida pela carroça do ano 2000 foi o tráfego nas grandes avenidas, preferencialmente nos horários de pico e conduzidas por menores de idade. A carroça leva enorme vantagem sobre os automóveis e demais veículos formalmente existentes. Seria este o termo para compará-los? Os veículos motorizados estão hipoteticamente regulamentados pela legislação. Se as carroças estão, ninguém dá a mínima mesmo.

A principal vantagem oferecida pela carroça é a segurança. Nenhum motorista de veículo motorizado tem coragem de bater naquilo. Além dos danos materiais, seguir-se-ão intermináveis processos judiciais por eventuais ferimentos causados ao cavalo. Ninguém liga para os humanos. Ainda no quesito segurança, a carroça leva a vantagem de estar equipada com airbags pretos por todos os lados. Os airbags das carroças são muito mais eficientes do que os dos automóveis, pois já vêm inflados. Inflados com coisas macias como papéis e garrafas pet. Absorvem bem o choque. Nesta história, quem sempre perde é o cavalo.

Outra grande vantagem apresentada pela carroça diz respeito à prioridade no trânsito. Carroças não param nos sinais, não respeitam vias preferenciais e estacionam em qualquer local, inclusive no meio da rua. Certo, elas podem trafegar na contra-mão. Sem iluminação também. E creia, se você virar uma esquina, à noite, e colidir com uma carroça sem iluminação, vindo pela contra-mão e tripulada por menores de idade, a culpa será inteiramente sua. Afinal, você cometeu um atentado contra um movimento social inimputável.

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