A Tragédia Americana
A Tragédia Americana
Por Paulo Heuser
Nascido na década de 50, eu cresci assistindo aos filmes de guerra recheados de heróis americanos, como Glenn Ford, e aos western com John Wayne e a sucessão de canastrões Mitchum. Comédias com Jerry Lewis, Dean Martin e Doris Day eram o programa de domingo. As matinées nos levavam à vida americana, em alguma época presente ou passada. Os códigos morais, a música, aquela ridícula moda de decoração dos anos 60, cheia de latas e canos coloridos, tudo era definitivamente norte-americano. Pato Donald, Margarida e Tio Patinhas foram os gibis da moda.
A Guerra do Vietnam começou a estremecer a credibilidade no american way of life. Nada, porém foi tão emblemático como o movimento de contracultura cujo símbolo máximo foi o Festival de Woodstock (1969), em Bethel, Nova Iorque. Entre outros, e entre meus preferidos, lá estiveram The Who, Jimi Hendrix com Hey Joe, e Ten Years After. Outros, dos quais não gostei tanto, como Joan Baez, já cantavam músicas intermináveis de protesto, num estilo “Zeca Perereca” imortalizado pela choradeira de Bob Dylan. Tudo bem, como o Zeca Perereca era americano, era moda.
Nas décadas seguintes começamos a confirmar que havíamos amarrado mal a égua, numa sociedade definitivamente estranha. Homens respeitáveis, ótimos pais, freqüentadores da igreja aos domingos, doadores do Partido Republicano, subiam ao campanário daquela e passavam a atirar a esmo nas pessoas. Isto que eram o esteriótipo dos WASP – White Anglo-Saxon Protestant - branco, anglo-saxão e protestante -, modelo étnico adorado pela sociedade americana do leste. Não foi apenas um. Uma sucessão desses genocidas-suicidas passou a fazer parte das manchetes. Foram celebrizados pelo cinema e pela tv. Apareceram também no Canadá, que não deixa de ser um 52o estado americano, contando o Distrito de Colúmbia.
No meio desse povo tão civilizado, no estado da Pensilvânia, vive uma comunidade de protestantes menonitas de origem helvética, conhecida como Amish. Esta sociedade, fechada culturalmente, vive na era pré-industrial, recusando-se a utilizar máquinas e as coisas modernas em geral. Recusa ajuda governamental e se nega a prestar o serviço militar. Até hoje os amish comunicam-se em alemão e um dialeto dele, falando inglês apenas com os englishmen – ingleses -, como chamam os vizinhos norte-americanos. Formam uma espécie de país dentro dos EUA. Apesar do imenso fosso que divide a sociedade americana dos amish, estes são bem tolerados e até admirados por aqueles, pois seguem rígidos padrões éticos e morais e praticamente inexiste o crime entre eles.
Ou melhor, não existia até que um imbecil englishmen chamado Charles Carl Roberts invadiu uma pequena escola em Bart Township e executou cinco meninas amish, ferindo outras tantas, antes de se suicidar. Os suicidas do Terceiro Mundo se contentam com o próprio suicídio. Os englishmen necessitam de espaço na mídia, levando uma dezena junto consigo. E logo dos amish, verdadeiros bastiões da vida decente e saudável.
O Terceiro Mundo continua enviando suas crianças para os parques de diversões daquela avançada sociedade, humilhando-se para conseguir um visto de ingresso. Afinal, os englishmen são muito exigentes quanto aos visitantes.
Desconfio que aquela cerca será erguida para evitar que eles consigam fugir lá de dentro.
E-mail: prheuser@gmail.com
1 Comments:
Caro Sr.Heuser
Suas crônicas são muito humoradas e com muito conhecimento de história e da situação atual mundial. Parabéns
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