Alphons e Alvin
Alphons e Alvin
Por Paulo Heuser
Ambeves, filha do meu amigo Raimundo, casou com um alemão, o Alphons. Alemão legítimo, nascido na terra de Goethe, daqueles que caminham emitindo um som de trombone. Pela boca! Como boa parte dos alemães, pelo menos dos que não usam turbante, Alphons é maníaco pela organização e pela prevenção de tudo que possa dar errado. Fez seguro de vida, todos tipos de seguros patrimoniais e até mesmo algumas formas mais pitorescas de seguro, como os das plantas e animais domésticos, inclusive da gralha. Sim, Alphons tinha uma gralha. Digo tinha, pois morreu.
Por Paulo Heuser
Ambeves, filha do meu amigo Raimundo, casou com um alemão, o Alphons. Alemão legítimo, nascido na terra de Goethe, daqueles que caminham emitindo um som de trombone. Pela boca! Como boa parte dos alemães, pelo menos dos que não usam turbante, Alphons é maníaco pela organização e pela prevenção de tudo que possa dar errado. Fez seguro de vida, todos tipos de seguros patrimoniais e até mesmo algumas formas mais pitorescas de seguro, como os das plantas e animais domésticos, inclusive da gralha. Sim, Alphons tinha uma gralha. Digo tinha, pois morreu.
O primeiro sinal de que algo não ia bem foi o cinzeiro limpo. Apenas cinzas, nada de baganas. A gralha parou de roubar baganas. Ambeves foi a primeira a notar, pois teve de limpar o cinzeiro. O que foi amolação para ela, foi motivo de preocupação para Alphons. “Se o Kralha parrou de roupar tem alko eraado!”. Pensou em levá-la (a gralha) ao veterinário no dia seguinte. Tarde demais. Na manhã seguinte, Ambeves ouviu um choro violento, espasmódico e compulsivo. Descobriu o Alphons sentado ao lado do cadáver da amada gralha. Alemães não costumam chorar, mas quando o fazem, vira uma catástrofe. Aliás, em alemão, uma Katastrophe, coisa infinitamente pior do que a versão local, sem “ká” nem “pê-agá”.
Mas, Katastrophen são catástrofes, organização é organização. Alphons parou de chorar sobre o corpo inerte da gralha e fez aquilo que o momento exigia: comunicar à seguradora o óbito da gralha. Consultando sua pequena agenda, encontrou o quatro-mil-e-tanto e discou.
- Você discou para a Central de Atendimento da Prudência Seguradora. Para comunicar sinistro, tecle dois; Para renovar sua apólice automaticamente, tecle cinco; Para solicitar um corretor virtual, tecle sete; Para encomendar esfihas de carne, tecle nove; Para repetir o menu, tecle zero.
- Alô, Alphons no aparelho.
Silêncio...
- O Kralha moreu!
Silêncio...
- Alô, o Kralha moreu, ist tot (está morta)!
Silêncio...
Após sete minutos de aperta aqui, aperta ali, o novo software Empaty IIIB, de próxima geração, detectou uma anomalia na conversação (monólogo) do Alphons e a transferiu automaticamente para uma atendente humana. Ou quase. Cybernia VIII era um software avançado de simulação de atendente humano, conectada diretamente ao Empaty IIIB, utilizando redes neurais de inteligência artificial. Uma voz calma e surpreendentemente sensual interrompeu os gritos de Alphons, a estas alturas, tão vermelho como só um alemão que toca trombone e toma cerveja sabe ficar.
- Bom dia, esta é Cybernia às suas ordens. Em que posso ajudar?
- É Alphons, o Kralha moreu, ist tot!
- Entendo... O senhor deseja comunicar um sinistro?
- Ele moreu!
- Percebo... o Sr. Élfons O Cralha morreu. Meus profundos sentimentos, em meu nome e da Prudência Seguradora. O senhor poderia informar o nome completo do Sr. Élfons? O “O” seria de Oliveira?
No desespero, Alphons teve de pedir ajuda ao deus nórdico de plantão:
- Odin, hilf mir! – Odin, me ajude!
- Entendo... Odinilfmir... O nome completo seria Élfons Odinilfmir Cralha? A apólice está em nome do Sr. Élfons?
Após 27 minutos de um caótico diálogo a central de atendimento travou. Cybernia repetia apenas “entendo...”. Empaty IIIB deu tela azul em todos os terminais das seguradoras integradas na rede. Os técnicos levaram três dias para restabelecer o sistema.
Alphons acabou ganhando uma gralha, nova em folha, e o número telefônico do diretor da Prudência Seguradora, para o caso de um eventual novo comunicado de sinistro. Quem perdeu nesta história foi Alvin Toffler (1928-), autor da trilogia O Choque do Futuro (1970), A Terceira Onda (1980) e Powershift (1990), tendo de rever alguns conceitos que defendeu durante mais de 30 anos. Alphons demonstrou que a automação das funções humanas apresenta alguns problemas de difícil solução. Nas escolas superiores de Administração, fala-se de uma continuação de Terceira Onda. O título provisório seria O Tsunami Alphons.
Ambeves continua chateada. A nova gralha não rouba baganas.
E-mail: pheuser@gmail.com
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